Justiça de gênero com juízas e juízes

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Buenos Aires, 14/09/2009 – Para que a Argentina tenha uma justiça com perspectiva de gênero, mais importante do que superar o desequilíbrio entre homens e mulheres na medida em que se progride no Poder Judiciário é garantir a autêntica inclusão desse enfoque nas sentenças, sejam ditadas por juízas ou juízes, afirmam especialistas.

“A quantidade de mulheres existente hoje no Poder Judiciário não nos satisfaz, mas se o que se busca são sentenças com perspectiva de gênero, então, o que importa é a capacitação de juízes se juízas”, disse à IPS Natalia Gherardi, diretora-executiva da não-governamental Equipe Latino-Americana de Justiça e Gênero (ELA).

Segundo Gherardi, tanto na Argentina como nos demais países da América Latina, a proporção de mulheres no Poder Judiciário “não é representativa da quantidade que sai das faculdades de direito”, onde há 20 anos e de forma sustentada as mulheres são maioria entre os que se formam em advocacia.

Entretanto, são poucas as que chegam às instâncias superiores deste poder do Estado. De acordo com o Informe sobre Gênero e Direitos Humanos 2005-2008 da ELA, lançado no último dia 7, entre a Suprema Corte de Justiça da Nação e suas homologas nas 23 províncias há apenas 20% de juízas.

Essa média esconde conquistas recentes, como a incorporação de duas magistradas à Suprema Corte de Justiça da Nação e retrocessos em sete províncias – 30% do total – onde não há nenhuma mulher nos mais altos tribunais respectivos.

Os dados do estudo mostram que existe uma “evidente segregação vertical” que mantém as juízas em instâncias inferiores ou em fóruns tradicionalmente associados ao seu gênero como o civil, oadministrativo ou o trabalhista. Por outro lado, são exceção no fórum federal e no penal, acrescenta.

“Parece haver um teto de vidro”, alerta o trabalho. “Apesar de as mulheres serem maioria entre os advogados, essa alta proporção não se reflete no Poder Judiciário”. Pelo contrário, “aparticipação feminina cai na medida em que aumenta a hierarquia dos tribunais”.

Entretanto, a pesquisa também prevê o quanto pode ser vã a meta de igualdade quantitativa.

As autoras analisam a paridade alcançada no Congresso graças à lei de cota, um caso com poucos antecedentes no mundo pela alta proporção de cadeiras que conseguiuproporcionar, e apresentam dúvidas sobre a representação dos interesses das mulheres a partir dessa maior quantidade.

“Por razões de democracia, as mulheres têm direito de ocupar um número maior de cadeiras no Congresso, mas isso não significa que elas irão sancionar as leis das quais as mulheres precisam”, disse Gherardi.

Apesar de reivindicar o direito de participação eqüitativa das mulheres em todos os poderes, o estudo alerta que “os números nada dizem sobre o verdadeiro grau de inclusão na vida pública nem do nível de influência e impacto que conseguem exercer a partir de seus respectivos postos”.

Diante desta experiência, Gherardi disse que para o Poder Judiciário, se o que se deseja é “incidir na maneira de administrar justiça, é preciso aportar elementos de juízo com viés de gênero a juízes e juízas”.

“Para promover a defesa dos direitos das mulheres não tenho de buscar mulheres como aliadas, mas juízes e juízas capacitadas”, acrescentou.

A Comissão de Gênero da Defensoria Geral da Nação realiza um trabalho com esse objetivo. Todos os magistrados, defensores públicos, funcionários e empregados dessa instituição encarregada de proteger os interesses das pessoas devem participar de um curso de capacitação na perspectiva de gênero, que a comissão realiza mensalmente.

A igualdade não está apenas nos números

“Haver uma mulher na magistratura não garante a perspectiva de gênero”, explicou à IPS Julieta Di Corleto, que trabalha na comissão que dá os cursos. “É preciso formar homens e mulheres nesta perspectiva. Para quando tiverem de intervir em assuntos de violência”, por exemplo.

Para di Corleto, se há uma mulher acusada de matar o marido, é importante que o fato seja analisado no contexto da violência machista. “Deve-se fazer o possível para não revitimizar a mulher, para tirar da mídia os preconceitos, e isso deve ser feito tanto por homens quanto por mulheres”, afirmou.

A esse respeito, o estudo da ELA diz que a questão da representação feminina não deve limitar-se a considerar a maior inclusão das mulheres como uma exigência básica de justiça ou democracia, mas que também devem ser atribuídas certas responsabilidades nos cargos públicos.

Entretanto, adverte que ao contrário de outros poderes, na justiça se exige formação excludente. Embora a maioria dos formados em direito sejam efetivamente mulheres, suaparticipação no Poder Judiciário “não é uniforme”.

Para romper esta barreira invisível, os movimentos de mulheres ganharam esperança com a criação do Conselho da Magistratura, uma instituição que tem pouco mais de uma década na Argentina e que surgiu como parte da reforma constitucional de 1994 para tornar mais transparente a designação de juízes.

Mas um estudo de Paola Bergallo, professora de direito da Universidade de San Andrés, mostra que o novo sistema de seleção pode ter gerado uma falsa expectativa sobre e igualdade de gênero.

O Conselho é um sistema de seleção de juizes e magistrados que combina o mérito com a designação política. Um conselho de representantes dos três poderes e do corpo de advogados convoca o concurso para preencher cargos e os candidatos passam por exames e entrevistas.

Os conselheiros, finalmente, apresentam três nomes de aspirantes ao Presidente da República, que os nomeará com anuência do Senado. “Estes mecanismos podem desestimular as candidatas e ter impacto no gênero das nomeações resultantes”, afirmou Bergallo à IPS.

“Muitos assumem que estes mecanismos de seleção, que combinam procedimentos de méritos com uma etapa política, podem facilitar o aumento daparticipação das mulheres na magistratura, mas, nem sempre é assim”, disse Bergallo, autora da pesquisa “Um teto de vidro no Poder Judiciário?”.

“Esta presunção supõe que as mulheres têm mais facilidade para acumular antecedentes profissionais o que favores políticos. Porém, a evidência empírica não é concludente a favor desta hipótese”, ressaltou.

Bergallo disse que o novo procedimento pode estar “moldando para privilegiar méritos de homens”. E, além disso, “a grande exigência de acúmulo de méritos pode acabar desestimulando as candidatas”, disse em referencia às pós-graduações, cargos docentes e publicações, que pesam na seleção.

“O mecanismo de mérito e a suposta neutralidade de gênero, combinada com a falta de compromisso do Poder Executivo e do Senado em fomentar a nomeação de mulheres, ajuda a aprofundar a segregação em seu acesso àmagistratura e às instâncias mais importantes de tomada de decisão no Poder Judiciário”, concluiu.

Por outro lado, observou, se em lugar deste sistema de seleção, com aparente neutralidade de gênero, for adotado um procedimento político, mas com vontade de avançar naincorporação de mulheres, o resultado pode ser melhor.

“Os órgãos políticos podem ter um compromisso sério com ações afirmativas para incentivar a presença de mulheres no Poder Judiciário e promover mais nomeações de mulheres do que o procedimento pseudo-meritório”, afirmou.

Isto se viu – disse – nos Estados Unidos durante os governos de Jimmy Carter (1977-1981) e Bill Clinton (1993-2001).

“Nessas duas presidências houve vontade e o número de nomeações de mulheres não teve precedentes”, disse. Já na Argentina, pode ocorrer que diante de um trio de candidatos que passaram pelas provas de mérito e onde há duas mulheres e um homem o presidente, ou a presidente, escolham o homem, especulou.

“Definitivamente, não creio que se possa assegurar que a presença de um número importante de mulheres em postos de decisão no Poder Judiciário dependa do mecanismo de seleção de juízes, mas dos compromissos institucionais com a promoção da igualdade real de oportunidades entre os sexos”, resumiu.

Com informações da IPS/Envolverde.