"Malfeitor sim, genocida não": Qual dos "dois" (do mesmo) Bolsonaro a burguesia segue sustentando?

Como entender que o partido das grandes empresas de comunicação tenha coordenadamente pela manhã colocado uma linha de defesa de Bolsonaro e, logo depois, à noite, o Jornal Nacional tenha feito um apanhado dos resultados da CPI?

Foto: Reprodução/Coletivo de Comunicação Norte
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Por Elídio Marques*

Como entender que o partido das grandes empresas de comunicação tenha coordenadamente pela manhã colocado uma linha de defesa de Bolsonaro e, logo depois, à noite, o Jornal Nacional tenha feito um apanhado dos resultados da CPI (o que é, por si, demolidor para o governo)?

Não temos as informações sobre as movimentações articuladas, mas o que suspeito é:

1- Como porta-voz de uma parte da elite econômica, esses grupos mantém a aposta que vem fazendo e que não é novidade: conter Bolsonaro, espremer ao máximo o que podem arrancar desse governo e congresso - e está demonstrado que podem - em diferentes formas de saques ao fundo público e retirada de direitos.

2- Como ator político, esse "partido" da mídia corporativa não se decidiu a derrubar Bolsonaro, não compôs com o favorito nas pesquisas e não encontrou seu menino dos milagres, o 3o via. Pode estar calculando que precisa dos votos de Bolsonaro, que não são poucos, para que o seu futuro candidato tenha chances. Vai então tentar fazer a operação de substituí-lo sem inviabilizar essa adesão de sua base eleitoral. Duvido que descartem alguma forma de composição com o próprio. Não podem descartar até que de fato não precisem dele pra nada.

Eu só não acredito - ou não posso acreditar para dormir - que venham a compôr com ele como cabeça de uma chapa, mesmo contra Lula. Creio que é um risco de desmoralização que não correriam.

3- Esta posição - bater, mas não esmagar - é a que se expressa pela leitura conjunta dos editoriais da manhã com o jornal da noite "malfeitos fez, genocídio não". Genocídio e crimes contra a humanidade são imprescritíveis e de jurisdição universal. Se fosse considerado responsável por eles, Bolsonaro não poderia ser colocado a salvo em nenhum lugar do mundo, em tempo algum, ou seja, seria muito difícil uma eventual composição com o ainda "dono" desta fatia de votos de que precisam pra vencer.

4- Há um ingrediente internacional aí (alguns acharão mais ou menos determinante): a posição dos EUA hoje parece ser semelhante a desta mídia. O secretário de estado está na América do Sul, não vai conceder a Bolsonaro a glória da bênção, mas o fará a aliados conservadores no Equador (em estado de sítio) e na Colômbia (de um Duque muito deslegitimado). A administração Biden não pode se associar a Bolsonaro, mas não deu nenhum sinal de querer que ele caia.

Ao campo popular, como sempre, cabe organizar inteligentemente a luta nesta etapa que se abre com o relatório de CPI mais devastador da história. Sem luta, será só uma peça pros historiadores e pra eventuais avaliações internacionais. Já é importante, mas precisamos de mais que isso agora.

*Elídio Marques é membro do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (UFRJ).

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.