Menos ajuda aos países pobres quando mais se precisa

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Madri, Janeiro/2009 – A segurança alimentar é um dos grandes desafios que enfrentamos dentro da crise econômica mundial. Agora, mais do que nunca, é necessário não relegar a segundo plano os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), mas garantir esse compromisso na luta contra a fome e a pobreza extrema, assinado por todos os países-membros da Organização das Nações Unidas em 2000.

De acordo com o último informe da ONU, a alta no preço dos alimentos jogou cem milhões de pessoas a mais na pobreza extrema, que se somam aos quase um bilhão de seres humanos que passam fome no mundo. Mais do que dois bilhões sofrem fome oculta, isto é, sobrevivem à base de uma dieta que carece das vitaminas e dos minerais essenciais.

A reunião internacional de alto nível sobre segurança alimentar, que acontecerá em Madri nos dias 26 e 27 de janeiro, com apoio e presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pretende impulsionar uma resposta coordenada na luta contra a fome e obter mais esforços financeiros, porque é inaceitável que as vítimas da crise mundial sejam os mais pobres. A iniciativa faz parte do compromisso da Espanha em prosseguir na luta para aumentar a ajuda aos países menos favorecidos.

Esta reunião, que é continuação da organizada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), em 2008, em Roma, deve servir para criar um mapa do caminho com mecanismos concretos que facilitem as metas dos ODM até 2015. A Espanha segue firme em seu compromisso de alcançar 0,7% do PIB para a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) em 2012. Essa meta deveria ser compartilhada por todos os países desenvolvidos em sintonia com o espírito do que foi fixado nas pautas dos ODM. Infelizmente, desde 2005 houve uma queda significativa na participação de vários países doadores importantes.

Na Cúpula de Doha sobre financiamento do desenvolvimento, realizada em dezembro de 2008, o governo espanhol sustentou a tese de que não há falta de recursos, mas carência de vontade política. Consideramos importante vincular as Nações Unidas ao debate sobre a crise econômica e a reforma da arquitetura financeira internacional, porque a grave situação abre, paradoxalmente, oportunidades: redução da pobreza e êxito nos ODM também são políticas contra a crise, por gerarem um panorama mais justo, solidário, pacifico e seguro.

A crise alimentar mundial não desapareceu. O índice da FAO para os preços dos cereais de outubro de 2008 continua 80% acima dos níveis de 2005. O encarecimento golpeia especialmente os pequenos agricultores, obrigados a pagar mais pela compra de fertilizantes e sementes, além da população, que destina uma parte maior de seus gastos aos alimentos. A carestia dos alimentos prejudica a capacidade para obter bens e serviços básicos como educação e saúde. A insegurança alimentar acentua as desigualdades - no acesso ao emprego, nas migrações maciças de população rural - e a pressão sobre os recursos naturais. Muitos países eliminaram a ajuda à agricultura, desmantelando as instituições públicas do setor, com a expectativa de que o setor privado se desenvolva.

Somos conscientes do apoio que necessitam os pequenos agricultores de países doadores e os países receptores em todas as fases do processo de produção, da semente ao adubo e à comercialização dos produtos. A ajuda à agricultura diminuiu de 18% do total de AOD nos anos 80 para 4% atualmente. É evidente que os doadores têm de assumir um compromisso para concentrar mais ajuda no primeiro objetivo dos ODM: erradicação da fome e da pobreza extrema. Também sabemos que a coerência de políticas para o desenvolvimento é fundamental para abordar a integração dos países empobrecidos no comércio mundial e regional. Daí a urgência em, finalmente, se conseguir fechar a Rodada de Doha de negociações sobre o comércio mundial.

Durante os últimos quatro anos, o governo espanhol vem realizando um trabalho crescente de cooperação para o desenvolvimento e situa-se na primeira linha de compromisso com os ODM. A AOD espanhola é a que mais aumentou entre todos os países doadores da OCDE em 2007. No ano passado, nossa contribuição chegou a 260 milhões de euros. Trabalhamos estreitamente com o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e, à nossa contribuição voluntária para 2008, de 10,5 milhões de euros, se somam outras contribuições voluntárias de emergência. Nas Nações Unidas, abrimos uma vantagem temática para a Infância e a Segurança Alimentar e a Nutrição, dotada de 50 milhões de euros, no Fundo Espanha-Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para os ODM.

Na reunião internacional sobre segurança alimentar de Madri, pretende-se não apenas criar um mapa do caminho que garanta o cumprimento dos objetivos e compromissos assumidos no ano passado em Roma. Também se objetiva centrar a discussão na coordenação das políticas agrárias em cada país, apoiar a pesquisa agrária e contar com o setor privado incluindo a sociedade civil. É momento, além disso, de dar um impulso ao Partenariado Global para a Agricultura e a Alimentação. Em Madri, os países desenvolvidos terão uma oportunidade de ouro para demonstrar até onde chega seu compromisso na luta contra a fome e a pobreza e na ajuda aos menos favorecidos.


* Soraya Rodríguez é secretária de Estado de Cooperação Internacional da Espanha.

(Envolverde/IPS)