Militante que ganhou ação contra SuperPop comenta a homofobia da mídia

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A RedeTV e o advogado Celso Vendramini terão que pagar 80 salários mínimos para Valéria Melki Busin e Renata Junqueira de Almeida como indenização por danos morais sofridos em um programa SuperPop de 2002. 

O juiz que expediu a sentença, Mario Sergio Leite, da 2ª. Vara Cível de Barueri-SP, entendeu que a situação de humilhação não se deu por acaso e foi armada pela produção do programa. Valéria conta que, no dia, estava tendo uma eliminação de participantes do Big Brother na TV Globo. A RedeTV, conforme o relato de Valéria, resolveu concorrer com mais baixaria. “A TV é uma concessão pública, eles têm que ter uma responsabilidade sobre o que passa. Não só a gente sofreu, mas toda a comunidade LGBT”, reclama.

Valéria é ativista do grupo Católicas Pelo Direito de Decidir, milita pelos direitos do grupo LGBT e já chegou a escrever um romance sobre a questão, o “Lua de Prata: Quando a Paixão Acontece Entre Mulheres” (GLS Edições). Para ela, a ação na Justiça serve não somente para reparar um dano que foi a toda a comunidade LGBT, como é uma ação pedagógica para a homofobia.

Apesar de reconhecer avanços quanto a essa questão nos meios de comunicação, ainda vê muitos entraves. “Especialmente em programas de auditório e de humor utiliza-se o fator homossexual para fazer barraco”. E chega a apontar no avanço dos programas religiosos de determinadas igrejas um retrocesso ao respeito aos direitos dos homossexuais. “Hoje você vê essas religiões como as pentecostais cada vez com mais espaço na TV e no rádio que falam mal da homossexualidade sem pudor, como coisa do diabo”.

Leia a entrevista completa com Valéria Melki Busin.

Fórum - O que houve no programa SuperPop?
Valéria Melki Busin –
Chamaram a gente para o programa porque no fim de 2001 faleceu a Cássia Eler. Então, em 2002 a imprensa começou a fazer várias matérias sobre a questão das lésbicas. Na época eu era companheira da Renata e nós fomos entrevistadas pela revista Elle, pelo jornalista Mário Viana. Foi uma matéria muito boa, saiu uma matéria maravilhosa, com um conteúdo sensível. Veio depois o produtor da Rede TV nos contatar, falando que queria nossa participação no programa SuperPop, falando que teria as mesmas participações dos entrevistados pela revista, que eram pessoas conhecidas do movimento LGBT. Insistiram que nos queríamos porque éramos um casal, mas a minha companheira era muito tímida. Mas eu já tinha visto o programa SuperPop quando era com a Adriane Galisteu e eles chegaram a fazer um programa sobre homossexualidade que foi muito legal.

Convenci a Renata. Quando chegamos no programa, não eram as pessoas que disseram que iriam. Tinha um advogado, que falou contra o homossexualidade, um casal de lésbicas, sendo que uma era candidata a deputada federal, e a companheira dela dizia que não podia aparecer, e que iria aparecer com uma máscara. Aí percebemos que não era a mesma coisa que nos falaram. No camarim, o produtor vinha toda hora preparando o nosso ânimo para um barraco. Dizia que “a outra parte” já chegou e que dizia coisas absurdas sobre homossexualidade, sendo que não disseram que ia ser um debate. A Renata não gostou e falou que não ia entrar no programa, porque não era isso o que tinha sido combinado. A gente achou um absurdo alguém que ia falar sobre direitos humanos entrar com máscara, como se fosse uma coisa feia, errada, e contra tudo o que a gente pensa sobre um debate. Mas convenci a Renata a entrar mais uma vez.

Depois que entramos, a Luciana Gimenez começou a falar nossos nomes e a fazer a apresentação do programa, apareceu na tela “Barraco: gays brigam para ter filhos” e foi uma coisa muito forte, havia má-intenção. Não me lembro da ordem, mas depois que o casal da máscara falou, a Luciana passou o microfone para o advogado, o Celso Vandramini. De repente ele começou a gritar e falar coisas super agressivas, como: “Eu não tenho nada contra homossexuais, mas não sou obrigado a andar na rua e ver um homem pegando no pinto de outro”. Eu e a Renata não acreditávamos no que estava acontecendo.

Ainda tentei interferir, mas a Renata ficou calada. Em nenhum momento nos foi feita nenhuma pergunta. E lá dentro (do estúdio), fica um animador de platéia estimulando o pessoal a gritar em momentos que não tem nada a ver com o que você está falando. E nós não tínhamos experiência com isso. Depois ainda teve uma ligação por telefone do Jorge Lafond, que fazia a Vera Verão, apoiando as declarações homofóbicas do advogado. Depois eu soube que os dois já tinham sido chamados para outros barracos.

Teve um intervalo e eu falei pra Luciana Gimenez: “Não foi pra isso que a gente veio”. Ela fez um gesto com a mão para acalmar, e deu a entender que ela ia virar a situação. Na volta, tiraram o microfone de mim e foram uns 20 minutos de programa de barraco. A gente saiu de lá completamente arrasadas. Queríamos ir lá para falar para pessoas que não tinham acesso à informação. Minha mãe me ligou no fim do dia, disse que estava passando mal, minhas tias todas de idade também, cerca de 77 anos. Fui ao banco no dia seguinte e a gerente “Ah, eu vi você ontem”. Então imagina o que repercutiu isso nas nossas vidas.

Resolvi então fazer um manifesto de protesto, e tive apoio da militância. Eu estava começando a participar do movimento, tinha acabado de escrever um romance GLS. Disparei o email para todo mundo, e com a repercussão disso, acabei conhecendo uma série de pessoas. Uma delas foi era a Ana Elisa Lolli, e na época ela era representante da OAB. Ela tinha sido contatada pela produção para participar do programa, mas quando ela avisou que iria como representante da OAB, ela foi desconvidada pela produção. O Paulo Vieira disse para ela não ir ao programa, porque a direção queria "barraco". Não foi uma coisa acidental. Eu não sabia, mas quando fomos era dia de eliminação do Big Brother, e pelo o que eu soube foi um dos mais baixos. Ou seja, (a RedeTV) queria competir com o programa utilizando baixaria. Não foi uma coisa acidental, eles tinham tudo preparado. E mais uma vez o tema da orientação sexual servindo de chacota. E a TV é uma concessão pública, eles têm que ter uma responsabilidade sobre o que passa. Não só a gente sofreu, mas toda a comunidade LGBT.

Revista Fórum - E por que entrar na Justiça por conta disso?
Valéria –
Foi para ter alguma reparação do ocorrido. É importante não só para a comunidade LGBT, mas também para todos os que têm direitos humanos afetados. Se a gente não tem nossos direitos respeitados, tem que entrar na Justiça, e lá eles vão ser garantidos. A gente queria uma retratação pública não a nós, mas a toda a comunidade LGBT. Num programa seguinte a Luciana Gimenez tratou de novo do tema e falou bem dos homossexuais. Ela até chegou a falar da gente, mas não falou nada do que tinha acontecido nem se retratou. Ela fez comentários, sem falar meu nome e da Renata, como se nós duas tivéssemos exagerado ou mentido em nossos protestos. Como foi uma coisa premeditada, tinha que se reparar os danos.

Revista Fórum - Acha que o programa é um caso isolado ao usar a homossexualidade como algo extravagante, ou a mídia em geral ainda não sabe lidar com a questão LGBT?
Valéria –
Não é um caso isolado ainda. Tem muitos outros programas que usam a homossexualidade para fazer chacota, como se fosse algo bizarro. Daquela época para cá, teve mudanças, como novelas que tratam da questão sem o bizarro. Temos visto a qualidade melhorar, mas ainda acontece muita baixaria. Especialmente em programas de auditório e de humor utiliza-se o fator homossexual para fazer barraco. E a comunidade toda é atingida com isso. Por isso fizemos uma ação, e agora saiu o resultado. Fomos humilhadas e nem tivemos possibilidade de evitar isso. Quando tem aquelas pegadinhas ridículas, perguntam para o participante depois se ele quer participar. O programa lá era ao vivo. Fizemos um pedido para que a Luciane Gimenez se retratasse publicamente, não a nós, mas a toda a comunidade. Na Parada Gay ela chegou a ir num carro, mas até no dia ela não se desculpou.

Revista Fórum - Existe mais preconceito como relação às lésbicas? Como elas são vistas no imaginário social?
Valéria –
Não dá para hierarquizar o preconceito. Todos do grupo LGBT sofrem preconceito. Claro que a lésbica sofre preconceito porque é mulher numa sociedade machista e porque é lésbica numa sociedade homofóbica. Mas igualmente sofrem as travestis, que são espancados diariamente nas ruas. Com os homens ainda é mais visível a homossexualidade, por isso são alvos cotidianamente. Os transexuais também, que sofrem por não poder ter o nome social reconhecido. Não dá para fazer hierarquia, cada subgrupo tem suas características. Teve pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas) que saiu no começo do ano que aponta que 90% da população é homofóbica e não se envergonha disso. As pessoas não escondem a homofobia como o racismo. Porque para o racismo tem lei que pune. Hoje não há legislação que puna a homofobia. Se tivesse, o advogado Celso Vendramini ou não teria falado o que falou, ou teria saído de lá preso.

Revista Fórum – E os meios de comunicação só colaboram com essa impunidade...
Valéria –
Contribui muito, a TV e a religião também. Hoje você vê essas religiões como as evangélicos ou neopentecostais cada vez com mais espaço na TV e no rádio que falam mal da homossexualidade sem pudor, como coisa do diabo. E elas têm conquistado cada vez mais espaços, e falam claramente isso. Mesmo a pessoa que está só passando, não é da religião, e ouve isso, reforça a estigmatização contra os homossexuais, têm legitimação da violência. Não por acaso tem tido um recrudescimento da violência contra os LGBTs, como aconteceu agora pela primeira vez caso de agressão após a Parada Gay. Por isso tem que ter ações como a nossa, são ações pedagógicas. O que falta é que passou da hora da aprovação das leis que garantem direitos dos homossexuais, como o projeto de reconhecimento da parceria civil homossexual, o que criminaliza a homofobia. Há um levantamento da revista Superinteressante que aponta que os homossexuais têm pelo menos 37 direitos a menos que a gente tem. Precisamos entrar na Justiça para reparar essa diferença, mas o legal é quando tivermos os mesmos direitos.