No Conselho da ONU em Genebra, entidades denunciam omissão da Justiça paulista em casos de tortura

Escrito en BRASIL el
No discurso, foram apresentados dados da pesquisa “Tortura Blindada”. De acordo com os órgãos responsáveis pelo estudo, “a conclusão decepcionante foi de que o sistema de justiça criminal está perpetuando a tortura”. Brasil pediu direito de resposta. Leia o discurso na íntegra Por Redação* Em pronunciamento oral feito na manhã de hoje (3/3) no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, a Conectas Direitos Humanos, a Justiça Global e a Pastoral Carcerária denunciaram a negligência e omissão das instituições do sistema de Justiça paulista diante de casos de tortura e maus-tratos relatados durante audiências de custódia. “Em um esforço positivo, as audiências de custódia foram implementadas em 2015. Mas como o próprio Conselho Nacional de Justiça admitiu, em dois terços dos Estados elas resultaram em mais encarceramento. O Subcomitê de Prevenção à Tortura [da ONU] concluiu que as audiências de custodia no Brasil não estão desenhadas para prevenir a tortura e os maus-tratos”, afirmaram as entidades. No discurso, foram apresentados dados da pesquisa “Tortura Blindada”, da Conectas, que analisou 393 casos com indicativos de violência policial apresentados nas audiências de custódia, que ocorrem no Fórum Criminal da Barra Funda. Em apenas uma ocasião o juiz determinou a abertura de inquérito para averiguação. “A conclusão decepcionante foi de que o sistema de justiça criminal está perpetuando a tortura”, afirmou o representante das entidades diante do plenário do Conselho. De acordo com o levantamento, 72% dos casos analisados receberam apenas um encaminhamento protocolar e administrativo. Em 33% das audiências os juízes não fizeram nenhuma pergunta à pessoa presa sobre a ocorrência de violência no momento da prisão. Os promotores, por outro lado, não fizeram qualquer intervenção diante de relatos de tortura ou maus-tratos em 80% dos casos. A pesquisa “Tortura Blindada” foi lançada hoje em Genebra durante evento paralelo à 34a sessão do Conselho de Direitos Humanos. O estudo também foi entregue em mãos a autoridades das Nações Unidas que trabalham com o tema, como o Subcomitê de Prevenção e Combate à Tortura. Direito de resposta Depois do pronunciamento das organizações, o Brasil pediu direito de resposta. A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, representante permanente do país em Genebra, afirmou que o governo federal está ciente da “natureza e do escopo dos desafios no sistema de justiça criminal e no sistema prisional”, mas que as mudanças demandam tempo. “Nós também reconhecemos os desafios históricos que precisam ser superados, muitos deles resultantes de antigos problemas estruturais. Esses problemas estão sendo enfrentados por medidas efetivas que requerem tempo para amadurecer”, disse Azevêdo. Além de ressaltar iniciativas em âmbito federal, como o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a representante do Brasil também afirmou que “o governo está trabalhando com os Estados e as autoridades locais, assim como o Judiciário, para reforçar e ampliar o programa [de audiências de custódia], de modo que ele atinja seus objetivos”. Para Vivian Calderoni, do programa de Justiça da Conectas, há um aspecto positivo na fala do Brasil que é o reconhecimento da importância das audiências de custódia. “É consenso que as audiências de custódia são um passo fundamental no combate à tortura no Brasil, mas o governo e as instituições do sistema de Justiça precisam reconhecer que elas devem ser modificadas e aperfeiçoadas à luz dos balanços que têm sido feitos nesses dois anos de projeto, e que apontam justamente as limitações do modelo atual”, afirma Calderoni. “As audiências de custódia não precisam de tempo, precisam de efetividade e, para isso, precisamos mudar a prática com urgência. Do contrário, elas não servirão para prevenir e combater a violência policial, mas para legitimá-la”, completa. Diante do juiz em 24h As audiências de custódia foram implementadas em São Paulo há dois anos e respondem à determinação da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil 1992. Elas garantem que o preso em flagrante seja apresentado a um juiz em até 24 horas. Na sessão, além do magistrado e do acusado, também participam um representante do Ministério Público e da defesa, que pode ser um advogado particular ou defensor público. Nessa audiência não há julgamento sobre inocência ou culpa do réu. Depois de ouvir os argumentos da acusação e da defesa, além do próprio custodiado, o juiz decide se a pessoa será presa preventivamente, se aguardará o julgamento em liberdade (com ou sem medidas alternativas à prisão, como tornozeleiras eletrônicas) ou se a prisão será relaxada - o que acontece quando o flagrante é ilegal. Além de evitar prisões ilegais ou desnecessárias, reduzindo o encarceramento, as audiências de custodia também foram concebidas para prevenir e combater a tortura, já que permitem que as instituições do sistema de Justiça averiguem eventuais sinais de violência policial que desapareceriam até a audiência de instrução, que pode demorar meses para acontecer. Clique aqui para ler a íntegra do pronunciamento. *Com Conectas Direitos Humanos