Norman Finkelstein: "Uma gangue de malandros e canalhas se enriqueceu usando o sofrimento, o martírio e a morte de milhares de judeus"

Entrevista com Norman Finkestein, talvez o intelectual americano mais controverso da atualidade. É crítico feroz da política externa israelense e do seu maior patrocinador, os Estados Unidos.

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Por Ronaldo Ribeiro, da Filadéfila

[caption id="attachment_31" align="alignleft" width="448"] Norman Finkelstein (Wikimedia Commons)[/caption]

"Há uma espécie de senso-comum que nos diz: Gandhi era um homem simples, que pregava algo simples, a não violência em qualquer circunstância. Este mal entendido se deve em parte à associação da figura histórica com o mito criado através dos anos e a figura fictícia retocada por Hollywood. Gandhi é um dos mais citados e menos lidos pensadores a qual constantemente fazemos referência. Seu pensamento não é simples, é na verdade bastante contraditório. Uma coisa é certa; Gandhi não era um pacifista categórico. Sem dúvida que ele dava grande ênfase à não violência. O Mahatma dizia que os mesmos objetivos poderiam ser alcançados com menos custos através da não violência, e que agir não violentamente é moralmente superior. No entanto, Gandhi dizia que o indivíduo que quer agir não violentamente deve estar preparado para morrer. Parafraseando Gandhi, ele escreve que alguém “deve ter a coragem de ter seu peito estraçalhado e de andar em direção a um pelotão atirando”. Sem dúvida um padrão moral altíssimo a ser seguido. Em contrapartida, Gandhi dava extremo valor à coragem. Para ele, não há nada mais desprezível do que a covardia, e que usar a não violência como justificativa para o medo de se defender é algo extremamente baixo e indigno. Se for atacado e não quiser ser estraçalhado, o indivíduo deve contra-atacar, e com toda a sua força. Este é o verdadeiro Gandhi, não o Gandhi de Hollywood"

“Sou radical: situações radicalmente injustas exigem atitudes radicais para serem modificadas”

Norman Finkestein é talvez o intelectual americano mais controverso da atualidade. Cientista político, doutor pela prestigiosa universidade Princeton nos Eua, ativista político, com seus vários livros, Finkelstein se atreveu a atacar a elite judia americana e israelense. Apesar de ser um intelectual prolífico, Finkelstein não consegue um emprego fixo como professor concursado em uma universidade americana há mais de 15 anos. Recentemente teve sua entrada impedida em Israel sob o pretexto de que ele oferecia riscos de segurança pública. Judeu, filho de sobreviventes de campos de concentração, Finkelstein tem dedicado a vida a defender os direitos dos palestinos. Norman Finkestein é crítico feroz da política externa israelense e do seu maior patrocinador, os Estados Unidos. No meio acadêmico, ele se tornou popular ao atacar e chamar de fraude um dos best-sellers da literatura sionista, o livro de Joan Peters, From Time Immemorial. Produziu teses extremamente controversas e também elogiadas em A Indústria do Holocausto. Investigou a fundo as táticas ativistas de desobediência civil e de não-violência preconizadas por Gandhi, e escreveu o belíssimo What Gandhi Says: About Nonviolence, Resistance and Courage. O intelectual controverso é firme na voz e nas opiniões. Na conversa que se segue, contudo, ficou patente que o ativismo político de Norman é da melhor estirpe, e que o interesse profundo pelo "outro" e por uma solução pacífica para a causa palestina é o que move seu trabalho.

Revista Fórum - Israel recentemente atacou a Síria alegando que armamento pesado estava sendo deslocado do Irã para sedes do Hezbollah. Os Estados Unidos oficialmente apoiaram os ataques. Qual a sua opinião?

Norman Finkelstein - Israel cometeu um sério crime contra a Síria se aproveitando de um momento frágil daquele país. Nenhum Estado tem o direito de bombardear centros estratégicos em outro, a menos que esteja em guerra. Os atos de Israel foram portanto atos de guerra. Poderiam ser classificados como atos terroristas. Com relação ao apoio dos Estados Unidos, esta tem sido a conduta oficial americana, a de simplesmente apoiar a política externa atroz do Estado Israelense, um Estado que pelos últimos dez anos tem entrado em uma nova guerra a cada dois, abusando de seu poder bélico, poder que é majoritariamente oferecido e financiado pelos Eua.

Revista Fórum - Com a intervenção de Israel, há chances de uma crise generalizada na região ou de respostas militares da Síria e de seus vizinhos? 

É pouco provável. O senhor Assad (ditador da Síria) já tem problemas internos suficientes para pensar em retalhar os ataques israelenses.

Revista Fórum - O apoio do Hezzbolah ao governo Sírio tem aumentado nos últimos dias. O grupo é classificado como “terrorista” por alguns Estados europeus, e também pelos Eua e por Israel. O senhor já foi muito criticado por apoiar o Hezzbolah. É diferente agora?

Quanto à classificação do Hezzbolah como grupo terrorista, gostaria de inicialmente dizer o seguinte: Há quatro anos, logo antes da posse do Presidente Obama, Israel massacrou a população civil de Gaza, resultando em mais de 1400 mortes. O mesmo acontecendo dois anos atrás. O pretexto para os ataques foram os mísseis de curto alcance e de produção caseira lançados em direção do sul de Israel pelo Hamas, mísseis que, repito, tem pouquíssimo poder de destruição e que não causaram mortes. O poder usado por Israel para retaliar o lançamento desses mísseis foi extremamente desproporcional. Não houve uma guerra, já que a população palestina não tem como se defender de um dos maiores arsenais do mundo. Houve um massacre. Cuidadosamente planejado para acontecer logo antes da posse do presidente Obama, que não fez outra coisa se não dizer que era um momento de olhar para frente e não para trás. Todos sabem que armamento pesado estava sendo levado dos Eua para Israel durante os ataques a Gaza. Então, voltando a sua pergunta, me responda o seguinte: Por que é que quando o Hezzbolah ataca ou se defende é considerado terrorista, e quando Israel comete suas atrocidades seus atos são considerados legítimos? Há aí uma tamanha hipocrisia. Claro que condeno atos terroristas. Mas se classificamos o Hezzbolah como terrorista, devemos fazer o mesmo com o Estado de Israel. Agora não foi diferente. Os ataques de Israel ao comboio Sírio, que supostamente levava armas do Irã para o Hezzbolah, poderiam ser classificados como um ataque terrorista.

Revista Fórum - Certos grupos defensores de Israel acusam o senhor de negar a existência do Holocausto. Como o senhor vê e responde a tais acusações?

Acusações absurdas, é claro. Não perco tempo com isso. Qualquer um que tenha o mínimo de interesse no meu trabalho e na minha vida sabe que toda a minha família por parte de pai e mãe foi exterminada durante o Holocausto. Meus pais são sobreviventes de campos de concentração. Cresci escutando estórias sobre os horrores da guerra. Se estou em pleno juízo, como poderia negar a existência de tais atrocidades e do Holocausto? Essas são táticas sujas daqueles que querem me difamar e negar o valor das minhas ideias, da verdade factual que meus escritos apresentam.

Revista Fórum - O seu livro “A Indústria do Holocausto” causou grande polêmica. Quais as suas teses centrais?

São duas as ideias mais centrais do livro. Uma primeira no qual eu apresento evidências e ampla documentação demonstrando que boa parte dos judeus vivendo em Nova Iorque e trabalhando como banqueiros no pós Segunda Guerra Mundial extorquiram grande quantidade de dinheiro de bancos suiços. O pretexto daquele grupo de bandidos era o reparo de danos causados às vítimas do Holocausto. Contudo, apenas uma parte ínfima daquelas quantias efetivamente chegava às vítimas. Em outras palavras, provei que nos anos cinquenta uma gangue de malandros e canalhas se enriqueceu usando o sofrimento, o martírio e a morte de milhões de judeus. A segunda ideia do livro parece-me bastante clara para todos nos dias de hoje (o livro foi publicado em 2003). Argumento que o Estado de Israel usa o Holocausto e o antisemitismo sempre que enfrenta internacionalmente algum problema de Relações Públicas. É impossível atacar a política externa israelense ou provar que o Holocausto foi explorado para ganhos pessoais sem que se seja acusado de ser antisemita. Essas foram as controvérsias que o livro causou.

Revista Fórum - Mesmo tendo recebido elogios de Raul Hilberg, uma das maiores autoridades na História do Holocausto, seu livro foi acusado de excessos na linguagem, por tratar parte da comunidade judia dos Estados Unidos por malandros e pilhadores. Como o senhor responde a tais críticas? 

São críticas que não levo a sério. Pense no livro “O Capital”, que influenciou gerações e gerações de pensadores, ativistas e políticos. A linguagem que Marx usa é feroz e impiedosa. Por que não deveria chamar grupos de banqueiros que roubaram dinheiro de vítimas do Holocausto de gangues de malandros, canalhas e pilhadores? Qual o problema se chamo o Estado de Israel de Estado Lunático? Não há um outro país no mundo que fala e entra tanto em guerra quanto Israel. Criticar minha linguagem é um golpe baixo que meus detratores usam para tirar a atenção do que digo.

Revista Fórum - Recentemente foi lançado um documentário tratando da sua vida e obra, “Radical Americano: Os julgamentos de Norman Finkelstein”. O senhor e suas ideias são radicais?

Não assisti ao documentário. Amigos próximos dizem que é fiel ao meu comportamento e às minhas ideias. Sou radical: situações radicalmente injustas exigem atitudes radicais para serem modificadas. Neste sentido, sim, eu diria que sou e que tenho ideias radicais. Como acadêmico, contudo, gosto do debate de ideias e estou sempre pronto para a crítica, a interpretação, o novo, quando isso vier ou for feito de forma cuidadosa, séria e isenta. A transformação do meu pensamento reflete esta abertura. Fui Maoísta e Marxista quando jovem. Percebi que éramos quase uma seita. Hoje me atenho aos fatos, tento expor a violência de certos comportamentos e políticas. Não quero mais trazer o “esclarecimento” às massas como queria na juventude. As massas já sabem o que  é certo e errado, já sabem o que significa viver em sistemas injustos.

Revista Fórum - O senhor acusa a academia americana e instituições de prestígio como a Universidade Harvard de proteger o establishment judeu. Em específico, o senhor acusou o famoso advogado Alan Dershowitz de plagiarismo e fraude no livro que ele escreveu, The case for Israel. Quais são as suas acusações?

Alan Dershowitz produziu uma fraude que se transformou em best-seller. Ele copiou partes do livro de Joan Peters, que trazia o argumento absurdo de que não havia uma comunidade palestina antes do movimento sionista onde hoje é Israel. Dershowitz plagiou aquele livro. O lobby judeu é muito forte nos Estados Unidos, e também o apoio incondicional à política externa israelense por alguns editores de jornal, revistas, executivos e políticos. O caso de Dershowitz é um desses exemplos.   

Revista Fórum - Em outro livro, This time we went too far, o senhor acusa o Estado de Israel de limpeza étnica na guerra contra os palestinos em 2010...

Desculpe-me, mas não houve uma guerra. O que houve foi um massacre, como mencionei anteriormente...

Revista Fórum - Em várias oportunidades o senhor declarou que não há mais controvérsia alguma sobre a questão entre Palestina e Israel. Onde é que opinião pública, acadêmicos e países concordam?

Por décadas o conselho da ONU concorda com a solução para o conflito como sendo a de dois Estados soberanos, como determinam as fronteiras e acordos de 1967, sendo a Faixa de Gaza e a Cisjordânia territórios do Estado Palestino. O mundo todo vota e concorda com esta solução na ONU desde a metade da década de 70. Votam portanto contra a ocupação israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Os únicos a votarem contra são Israel, três ou quatro ilhotas no pacífico, e os Estados Unidos - que usa seu poder de veto para impedir a resolução. Como se vê, não há controvérsia, há uma solução bastante óbvia que só depende de vontade política para ser aplicada.

Revista Fórum - O movimento BDS (Boicote, Desinvestimento, Sanção) tem causado polêmica na comunidade palestina nos Eua. O movimento ainda tem seu apoio?

Não mais. Em princípio, concordo com qualquer movimento que tente liberar um povo da opressão e da dominação de um outro povo. No caso do movimento BDS, contudo, suas táticas são mentirosas. No fundo eles tentam retomar a questão da ilegitimidade do Estado de Israel, uma bobagem e um erro, a meu ver. É fundamental se ater às leis internacionais e aos acordos de 1967. O movimento sorrateiramente quer reivindicar outras causas... 

Revista Fórum - Mais recentemente o senhor publicou um livro sobre Gandhi. Que lições poderiam ser aplicadas no caso dos conflitos entre Israel e a Palestina?

Há uma espécie de senso-comum que nos diz: Gandhi era um homem simples, que pregava algo simples, a não violência em qualquer circunstância. Este mal entendido se deve em parte à associação da figura histórica com o mito criado através dos anos e a figura fictícia retocada por Hollywood. Gandhi é um dos mais citados e menos lidos pensadores a qual constantemente fazemos referência. Seu pensamento não é simples, é na verdade bastante contraditório. Uma coisa é certa; Gandhi não era um pacifista categórico. Sem dúvida que ele dava grande ênfase à não violência. O Mahatma dizia que os mesmos objetivos poderiam ser alcançados com menos custos através da não violência, e que agir não violentamente é moralmente superior. No entanto, Gandhi dizia que o índivíduo que quer agir não violentamente deve estar preparado para morrer. Parafraseando Gandhi, ele escreve que alguém “deve ter a coragem de ter seu peito estraçalhado e de andar em direção a um pelotão atirando”. Sem dúvida um padrão moral altíssimo a ser seguido. Em contrapartida, Gandhi dava extremo valor à coragem. Para ele, não há nada mais desprezível do que a covardia, e que usar a não violência como justificativa para o medo de se defender é algo extremamente baixo e indigno. Se for atacado e não quiser ser estraçalhado, o indivíduo deve contra-atacar, e com toda a sua força. Este é o verdadeiro Gandhi, não o Gandhi de Hollywood.