O “buraco de rua” ganha nova perspectiva na internet

A imprensa passa pela transição de um modelo centralizador para outro baseado na descentralização, a trocar a ordem de um sistema verticalizado pela balbúrdia transitória de informações em redes virtuais

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A imprensa passa pela transição de um modelo centralizador para outro baseado na descentralização, a trocar a ordem de um sistema verticalizado pela balbúrdia transitória de informações em redes virtuais Por Carlos Castilho, do Observatório da Imprensa [caption id="attachment_19275" align="alignright" width="300"] (Foto http://www.flickr.com/photos/62693815@N03/)[/caption] Um buraco na esquina de sua rua deveria ser muito mais importante para qualquer pessoa do que a explosão de mais uma bomba no subúrbio de Bagdá, no Iraque. Esta é a tese do norte-americano Chris Anderson levantada em 2007 e que ganhou agora uma nova abordagem no livro Future Perfect: The Case for Progress in a Networked Age (ainda sem tradução para o português) lançado em outubro por Steven Johnson, o mesmo autor do badalado Emergência. O buraco de rua afeta diretamente a rotina de quem passa por ele todo dia. Logicamente deveria despertar mais interesse do leitor, mas não é isso o que acontece.  A causa é uma histórica distorção na cobertura da imprensa causada por uma conjuntura econômica que agora começa a ser alterada.  O público foi condicionado a consumir a agenda de notícias fixada pelos jornais, revistas e emissoras de rádio ou TV porque estes veículos precisavam produzir visando grandes mercados de consumidores. Assim, as redações foram levadas a selecionar  coberturas jornalísticas em função de condições especificas, voltadas para a produção em massa, ignorando o nicho do buraco de rua.  Outro fator que contribuiu para essa distorção informativa foi o reduzido fluxo de informações e a concentração dos seus controladores. Steven Johnson mostra como tudo isso está mudando de forma acelerada. A consequência é  a perplexidade dos consumidores de notícias como uma crise profunda no modelo de negócios das empresas jornalísticas, que se enriqueceram na administração da escassez informativa e agora se mostram incapazes de gerir a abundância noticiosa da internet. A revolução informativa provocada pela era digital revalidou uma regra teórica segundo a qual o interesse de uma notícia está inversamente relacionado à distância do fato em relação ao leitor, ouvinte ou telespectador. A notícia de que não haverá aula no colégio do bairro, pela lógica afeta mais a vida dos pais que moram na vizinhança do que a crise econômica na Grécia. Isso porque a internet barateou incrivelmente o custo da produção e distribuição de notícias, ao mesmo tempo em que revitalizou os nichos informativos, que antes eram inviáveis diante da necessidade empresarial de produzir para mercados massivos. O baixo custo e a disseminação de programas como blogs, redes sociais, Twitter e fóruns online criaram o que ficou conhecido como avalancha informativa. A imprensa está sendo forçada a uma traumática transição de um modelo centralizador para outro baseado na descentralização, a trocar a ordem de um sistema verticalizado pela balbúrdia transitória da circulação horizontal de informações em redes virtuais. Mais ainda, a imprensa é forçada a revisar seu modelo centralizado da filtragem de noticias, materializado na tradicional figura do “porteiro de noticias” (gatekeeper) pela recomendação baseada em links para outras páginas na Web. A imprensa local e hiperlocal começa a ganhar espaços na agenda do público graças ao fim do paradoxo do buraco de rua. A questão não é mais uma escolha entre o buraco e a crise grega, mas quando, onde e como acessar uma ou outra notícia.  Não se trata de um veículo eliminar o outro, mas de criar uma convivência mutuamente viável economicamente.  A agenda não é mais imposta ao mesmo tempo em que a curadoria (recomendação) passa a ser a principal ferramenta para separar o que é relevante ou não para o contexto do individuo. Steven Johnson adverte no seu livro que os jornalistas têm tudo a ganhar nessa nova realidade, desde que consigam tomar consciência da transição e principalmente verificar as novas oportunidades que se abrem na informação local e hiperlocal (o buraco de rua ou o feriado escolar).  Mas ainda falta resolver o problema da sustentabilidade financeira desse novo modelo de jornalismo. Ninguém tem ainda a receita ideal, mas tudo indica que ela sairá das centenas de experiências em curso no mundo inteiro, a maioria das quais aponta na direção de uma convivência integrada entre empresas e jornalistas amadores, entre as macronotícias (crise econômica mundial) e a microinformação (buraco de rua), entre o noticiário metropolitano e abertura de um novo armazém no bairro. Leia também: A explosão de vozes do jornalismo Uma só esfera