O despreparo de uma PM que, com gás, expulsa até crianças do estádio

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Para coronel reformado da polícia e especialista em segurança pública, ação da PM no DF ao tentar controlar uma briga de torcida com spray de pimenta - o que fez com que o jogo fosse paralisado e dezenas de torcedores deixassem o estádio - é completamente condenável em ambientes de grandes multidões e confinamento, como é o caso das arquibancadas. "Ação desastrada", avaliou Por Ivan Longo Era para ser um dia inesquecível para crianças que, acompanhadas de pais e responsáveis, foram ao jogo entre Palmeiras e Flamengo no estádio Mané Garrincha, no último domingo (5), no Distrito Federal. De fato, para essas crianças, foi um dia para se guardar na memória, mas não pela emoção em assistir uma partida em um estádio de futebol, mas sim pelo desespero causado pela ardência do gás de pimenta lançado pela Polícia Militar para tentar controlar uma briga de torcida. [caption id="attachment_84761" align="alignleft" width="400"]Pai deixa o estádio, protegendo o filho com uma camiseta, por conta dos efeitos do gás de pimenta. (Reprodução/SporTV) Pai deixa o estádio, protegendo o filho com uma camiseta, por conta dos efeitos do gás de pimenta. (Reprodução/SporTV)[/caption] No intervalo da partida, agentes da Polícia Militar do DF lançaram mão de spray de pimenta e bombas de efeito moral em áreas de circulação interna do estádio para impedir que palmeirenses invadissem uma área destinada a flamenguistas. Os gases se espalharam por toda a estrutura do estádio e atingiram a arquibancada composta por 54.655 torcedores, fazendo com que inúmeras pessoas, incluindo crianças e idosos, passassem mal e, às lágrimas, deixassem o local. Além das cenas lamentáveis causadas nas arquibancadas pela ação da PM, os gáses atingiram os vestiários, fazendo com que os atletas se irritassem e tivessem que cobrir o rosto com a camiseta. A partida teve que ser temporariamente paralisada. Ainda que a briga entre as torcidas tivesse que ser controlada, o uso de spray de pimenta e bombas de efeito moral demonstrou, para o coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, José Vicente da Silva, uma total falta de preparo da corporação, que já deveria ter planejado que tipo de ação tomar em uma partida de futebol com grandes torcidas. De acordo com Silva, que é especialista em segurança pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há um entendimento, não só no Brasil, como no mundo, que materiais como esses não devem ser utilizados em locais com multidões confinadas. "Há o que chamamos de uma doutrina  dentro das polícias: um conjunto de práticas que se considerou mais adequadas, eficientes e seguras ao longo do tempo. No caso, o que se tem como principio é o seguinte: não se utiliza esse tipo de material em multidões confinadas. É um material típico para dispersar multidões. Se está num espaço aberto, você tem vias de escape para as pessoas correrem. O que acontece com o gás é que as pessoas fecham os olhos e saem correndo do local. É uma reação instintiva. O problema é que num lugar confinado, numa estrutura de escadaria como é a arquibancada, você coloca aquela multidão sob altíssimo risco", explicou o coronel reformado, que atentou ainda para o fato de que a ação poderia resultar em algo ainda pior, tendo em vista que é uma atitude que gera pânico e que, historicamente, tem provocado mortes. [caption id="attachment_84762" align="alignright" width="417"]Jogador em campo passa mal com os efeitos dos gases. (Reprodução/SporTV) Jogador em campo passa mal com os efeitos dos gases. (Reprodução/SporTV)[/caption] "Lembro de algumas situações em que, por motivo menor e ação desesperada, a coisa ficou maior: o pânico no jogo do Liverpool em 1989. Morreram 96 pessoas. Houve um show de rock na Alemanha há alguns anos também em que, em um momento de pânico e correria, cerca de 15 pessoas morreram pisoteadas. Houve uma ação completamente errada, desastrada em termos da utilização desse material". Para José Vicente, além do planejamento prévio, que deveria envolver a participação de outros agentes organizadores do evento e um cuidado maior com relação a grandes torcidas, materiais como a bomba de gás e o spray de pimenta nem deveriam estar sendo portados pelos agentes. A bala de borracha, neste sentido, seria o mais adequado já que, ainda que haja chances de erro, o alvo a ser atingido é mais certo. "Toda multidão já embute riscos. Esse é o primeiro princípio que deve ser levado em consideração. Há um alto risco até por que qualquer coisa pode criar pânico. Um ruído, alguém que grita. Isso alastra com efeito incontrolável e isso deveria ser sabido por uma corporação de polícia", criticou. De acordo com o coronel reformado, a ação da PM do DF nesta partida pode ser enxergada como uma prévia do que pode vir a ser sua postura em eventos como grande aglomeração de pessoas, como nas manifestações que vêm ocorrendo e que devem ainda ocorrer relacionadas ao momento político do país. "O princípio da polícia é preservar a vida e a integridade física do cidadão. Não é o que tem sido feito", afirmou. Procurada pela reportagem da Fórum, a Secretaria de Segurança Pública e Paz Social do DF não se posicionou, até o momento, sobre a ação da PM na partida em questão. Foto: Reprodução/SporTV