O problema é o Eduardo Cunha? Não, é a classe dominante antidemocrática, estúpido!

Não é possível resumir os absurdos que começaram na quarta e terminaram na madrugada de quinta como algo surpreendente, tampouco oriundo de uma mente demoníaca na cabeça de Eduardo Cunha. Não que não tivéssemos que nos indignar ou que o Cunha não fosse uma mente demoníaca. No entanto, se trata de um fenômeno regular e que se intensifica nesses tempos de acirramento político

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Não é possível resumir os absurdos que começaram na quarta e terminaram na madrugada de quinta como algo surpreendente, tampouco oriundo de uma mente demoníaca na cabeça de Eduardo Cunha. Não que não tivéssemos que nos indignar ou que o Cunha não fosse uma mente demoníaca. No entanto, se trata de um fenômeno regular e que se intensifica nesses tempos de acirramento político Por Ronaldo Pagotto*, especial para o Escrevinhador Um raio num céu azul. Com essa expressão, Marx ironizava o ataque dos bonapartistas à Assembleia Nacional francesa, criticando a leitura de muitos de que era uma surpresa tamanha, como algo inexplicável caindo do céu. Os setores progressistas amanheceram nesta quinta-feira com o sabor da derrota. Em mais uma manobra regimental, a Câmara aprovou a redução da maioridade penal, com a reapreciação de uma matéria vencida na noite anterior. A aprovação atenta contra a Constituição Federal e contra o regimento da Câmara. Já seria espantoso se fosse às escuras, em um pequeno grêmio estudantil ou em um sindicato. No entanto, foi na Casa do Povo, responsável por aprovar as leis, sob o olhar cúmplice de uma horda de deputados, que em nome da democracia, da vida e até de Deus atentaram contra a democracia, a vida e as forças divinas. Atentar contra a democracia é um método No entanto, não se trata de um “raio em céu azul”. O mestre Florestan Fernandes – que no próximo 10 de agosto completa 20 anos que nos deixou – estudou com profundidade a sociedade brasileira e afirmava que “as classes dominantes brasileiras são antidemocráticas”. Aplaudiram o golpe contra o país em 31 de março de 1964, brindaram as ditaduras latinas, babaram quando os EUA patrocinaram contrarrevoluções na América Latina e Caribe… Atualmente, reclamam dos direitos das domésticas, não aceitam a lei que confisca terras com trabalho escravo, atacam programas como o Bolsa Família e Mais Médicos, condenam as cotas étnicas. O mestre Florestan afirmava ainda que essa pequena parte do Brasil não é apenas antidemocrática como também antipopular. Não suportam compartilhar o mesmo avião, os mesmos perfumes, frequentar os mesmos restaurantes ou disputar um lugar na praia. Muito menos ter que negociar salários e respeitar regras, ainda que mínimas. Esse não é o Brasil que as classes dominantes construíram, que era para ser para poucos, embora edificado por muitos. O episódio dessa semana, marcado pelo desrespeito a leis e regras estabelecidas, é algo regular e comum no nosso país. A democracia brasileira, com muitas fragilidades e defeitos estruturais de forma e conteúdo, é insuportável para a classe dominante. Continue lendo aqui