O cantor sem chances

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Tem várias coisas que fazem a gente ficar com a sensação de velho. A primeira vez que senti isso foi em 1988 (e eu era relativamente bem novinho ainda), quando toda semana era procurado por algum estudante que fazia algum trabalho sobre o aniversário de vinte anos das reviravoltas do ano de 1968, ou algum jornalista novo vinha falar comigo porque estava fazendo matéria sobre o mesmo assunto. “Testemunha ocular da história!”, dizia pra mim mesmo, lembrando o slogan do Repórter Esso, programa jornalístico do rádio ouvido por todo mundo.
Eu estudava na Universidade de São Paulo em 1968, e participava do movimento estudantil. A Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, em que eu estudava, era um dos maiores centros de contestação à ditadura, e o Conjunto Residencial da USP (Crusp), onde eu morava, era outro. Por isso me procuravam. Enfim, para usar uma expressão mais atual, eu já era um dinossauro.
Já no final do século XX (!), mais uma comemoração de aniversário de vinte anos: a anistia. Eu tinha participado da campanha pela anistia também, inclusive fazia matérias sobre o assunto para o jornal Em Tempo, importante na época, e um dos que mais se dedicavam ao tema.
Depois vi um bando de conhecidos chegando ao governo, tornando-se figuras importantes. Fora o próprio Lula, estão aí o Marco Aurélio Garcia, o Guido Mantega e outros que colaboravam no jornal Em Tempo. Do Jornal dos Bairros, de Belo Horizonte, então há autoridades atuais aos montes. Nilmário Miranda, Tilden Santiago, Virgílio Guimarães, além de Sandra Starling, que foi deputada federal, e alguns colaboradores do jornal, como Patrus Ananias.
Mas o que me fez mesmo sentir jurássico foi lembrar de um baile de formatura do ginásio, em Nova Resende, minha terra. Lá não havia nem curso colegial. Os bailes de formatura do ginásio (equivalente à atual 8ª série) eram concorridíssimos, com grupos musicais famosos na região. Só na região.
Eu já morava em São Paulo, mas num fim de ano estava lá e peguei um baile desses, no prédio do antigo cinema (outra coisa de dinossauro: as cidades pequenas tinham cinemas, que foram sendo fechados). O conjunto – hoje chamam de banda – era bom, mas o cantor era melhor ainda, era ótimo.
Numa certa altura, parei de dançar e fiquei só ouvindo o sujeito cantar. Era um negro novinho, afinado, com um baita vozeirão. Ouvi, ouvi... Um amigo me viu parado ali, sem dançar e veio falar comigo, perguntar o que houve.
– Nada não – falei. – Tô admirando esse crioulinho cantar. Ele canta bem pra chuchu.
– Que desperdício! Um sujeito cantando desse jeito aqui neste interiorzão... Se morasse em São Paulo ou no Rio, viraria um cantor de sucesso. Aqui, vai ficar cantando em bailinhos de interior...
Na época, havia muitos festivais de música na televisão, e em alguns deles havia uma fase regional, fora do eixo Rio-São Paulo. Acabavam dando oportunidade para uns cantores locais. Um desses festivais era, acho, da TV Excelsior, que tinha uma fase de seleção em Ouro Preto. Nessa fase, vi esse cantor se apresentando lá, um novato. E depois o vi muitas e muitas vezes. O nome dele é Milton Nascimento. F