Josué de Castro foi um dos brasileiros mais ilustres de todos os tempos. Três vezes indicado ao Prêmio Nobel, primeiro presidente da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Ganhou o Prêmio José Veríssimo, da Academia Brasileira de Letras e o Prêmio Roosevelt, da Academia de Ciências Políticas dos Estados Unidos.
Josué, pernambucano, nascido em Recife, às margens do rio Capibaribe, foi um dos primeiros pesquisadores no mundo a abordar a temática da fome e um dos maiores estudiosos das causas da miséria, da pobreza, do subdesenvolvimento. Cassado pelo regime militar, por defender idéias e causas progressistas , morreu no exílio, na França, nos anos 70. Neste 5 de setembro de 2008 ele completaria 100 anos de nascimento.
Suas obras, idéias e legados de Josué de Castro são objetos de estudos de graduação e pós-graduação em universidades do país e do exterior. Encontramos três doutorandos que desenvolvem estudos sobre Josué.
Renato Carvalheira é bacharel em Sociologia e Relações Internacionais e mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília, com dissertação sobre Josué de Castro. Faz doutorado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Rosana Magalhães é graduada em Nutrição, mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, onde atualmente é pesquisadora. Faz doutorado em Saúde Coletiva na Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Sirlândia Schappo tem graduação em Serviço Social e mestrado Sociologia Política – ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina. Faz doutorado em Sociologia pela Universidade de Campinas (Unicamp).
Nesta entrevista, eles falam sobre o mestre e suas idéias.
que Josué representa para você?
Sirlândia -- A esperança e os anseios daqueles que lutam por justiça, democracia, reforma agrária, distribuição de renda e demais condições para a construção de uma sociedade onde a vida humana esteja acima de qualquer outro interesse econômico.
Rosana -- Uma leitura indispensável para todos que se interessam pela questão do desenvolvimento social e humano. Especialmente no Brasil, o autor é uma referência obrigatória na medida em que marca um debate vigoroso em torno de um projeto de nação, onde obstáculos como o latifúndio e a escravidão deixam de ser intransponíveis . Através de um esforço claro para "desfatalizar" a fome e a miséria , Josué afasta-se da mera especulação filosófica sobre tais problemas e aponta caminhos e alternativas conjugadas a fortes investimentos políticos, econômicos e culturais.
Carvalheira -- Um dos intelectuais que melhor explicou o Brasil, o maior teórico brasileiro sobre o fenômeno da fome em suas múltiplas expressões, o pioneiro dos estudos ecológicos no mundo, um grande cientista social que deixou como legado uma importante obra e o responsável pelo desenho das políticas públicas sobre alimentação e nutrição no Brasil e no mundo.
Quando e como você passou a se interessar pela obra de Josué de Castro?
Sirlândia -- Infelizmente não estudei Josué a partir dos conteúdos curriculares e só o descobri em minhas andanças pela biblioteca, entre ácaros, poeira e folhas quebradiças. Desde a primeira leitura me encantei e senti de imediato um desejo profundo de estudar seu pensamento.
Rosana -- Tive a sorte de ingressar no curso de nutrição da UFRJ e, lá, ter aulas de sociologia com a filha de Josué, Anna Maria de Castro. Tive contato com professores e pesquisadores entusiasmados com o tema da fome no país. Mais tarde, no mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública, a possibilidade de estudar a obra do autor foi aberta de maneira generosa pela instituição. A dissertação, um mergulho na obra do autor, foi divulgada pela editora Fiocruz em formato de livro e, com isso, novos diálogos puderam ser fortalecidos.
Carvalheira -- Em meados dos anos 1990, época de minha graduação em Relações Internacionais e principalmente graduação em Sociologia (fiz ambas), quando escutava músicas do movimento mangue beat (Mundo Livre S/A e Chico Science e Nação Zumbi), que tratavam do tema da fome e de Josué de Castro, e ao mesmo tempo procurava um tema para minha monografia (Josué de Castro: o teórico do mangue).
Vocês acham que Josué é devidamente reconhecido pelo seu país?
Sirlândia -- Ainda encontro muitos brasileiros que desconhecem Josué. A ditadura assegurou, por um longo tempo, a expatriação da memória de seu pensamento. Após esse período, revigoraram-se os reconhecimentos, exemplos são as várias homenagens e eventos no seu Centenário.
Rosana -- Esta questão é complexa, teríamos que ter clareza sobre de qual "reconhecimento" estamos falando. Sem dúvida, a projeção internacional da obra de Josué de Castro tende a ser valorizada, mas acredito que há muito ainda a aprender com o seu pensamento.
Carvalheira -- Quando escrevi minha monografia (1998) e mesmo quando do meu mestrado (2002) seu reconhecimento era insignificante para a obra que teve, mas hoje em dia não é mais possível falar que ele é indevidamente reconhecido. Muito pelo contrário. O problema está não no reconhecimento, mas nas lacunas que a análise de sua obra ainda não conseguiu cobrir.
O que mais chamou a sua atenção ao estudar a vida e a obra desse brasileiro?
Sirlândia -- A ênfase de que o combate a fome não se resume em práticas assistencialistas e ações restritas à distribuição de alimentos, mas em propostas que priorizem as condições necessárias para obtê-los e que proporcionem uma vida sustentável.
Rosana -- A capacidade rara de combinar esforço intelectual e engajamento político. Para alguns, esta é uma conjugação difícil, muitas vezes impensável. Mas Josué de Castro mostra que talvez a oposição entre estes "dois mundos" seja artificial.
Carvalheira -- Primeiro foi essa lacuna na análise do autor, segundo foi o pioneirismo com que trabalhava os temas do desenvolvimento humano e de aspectos ecológicos. Além disso, o autor discorre sobre um tema tão trágico e duro como a fome, mas de uma forma leve, literária, ensaística. Suas obras dão prazer de ler, apesar de um contexto muito triste.
Qual a sua análise sobre a fome nos estudos de Josué e a situação da segurança alimentar e nutricional hoje?
Sirlândia -- Josué apresenta elementos fundamentais para essa discussão na atualidade. Vários avanços foram obtidos pela ação conjunta do atual governo e da Sociedade civil. Porém, os fatores geradores das desigualdades e da miséria ainda persistem.
Rosana -- Na medida em que o país que Josué analisa era predominantemente rural e hoje a maioria da população é urbana, torna-se imperioso rever vários pressupostos e perspectivas. A queda nas taxas de fecundidade, os novos contornos do perfil das políticas sociais, o envelhecimento da população e a maior heterogeneidade dos grupos sociais criam exigências novas de reflexão e ação. No entanto embora as tendências de diminuição da desnutrição infantil e o crescimento da obesidade, por exemplo, impliquem em novas propostas de intervenção, ainda permanece extremamente atual a importância de compreender territórios, estruturas e organizações sociais e, também, aspectos culturais para a construção de sistemas de segurança alimentar e nutricional efetivos e com equidade.
Carvalheira -- A situação na época de Josué (entre as décadas de 30 e 60) é muito diferente. A começar pelo interesse que hoje se tem pelo tema, iniciando com Betinho. Outro fator é o conhecimento que se tem da realidade, hoje mais completa do que no tempo de Josué, que, ao iniciar seus estudos nos anos 1930, mal se tinha estatísticas sobre a população. Além disso, houve avanços científicos na Nutrição e nas Ciências Sociais não conhecidos por Josué. No entanto, permanece sua metodologia inovadora e sua marca nas políticas de alimentação e nutrição encontradas até hoje.
Sobre segurança alimentar e nutricional, quais são os principais desafios do Brasil hoje?
Sirlândia -- Os desafios se assemelham àqueles analisados por Josué, especialmente quando o autor nos chama a atenção para a importância da “agricultura de sustentação” e da reforma agrária como medidas imprescindíveis para a ampliação das condições alimentares e nutricionais.
Rosana -- Fortalecer arenas de negociação e concertação ampliadas, garantir a "polifonia das vozes" e criar uma forte cultura de avaliação das ações, iniciativas e programas na área.
Carvalheira-- Os principais desafios certamente se referem à efetiva implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O que implica na garantia de uma alimentação suficiente, saudável, permanente, sustentável e digna para as populações historicamente excluídas de nossa sociedade brasileira (quilombolas, indígenas, moradores de rua e agricultores familiares). O que representa para o Brasil uma política de Estado e não de governo.
Obra de Josué de Castro é referência de estudos
Escrito en
NOTÍCIAS
el