Opinião: Crise! Qual crise?

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As oligarquias que mandam no Brasil sempre contaram com governantes cínicos e hipócritas, ou então apenas idiotas. O perfil faz parte do ritual do posto. Pouquíssimos homens que ocuparam a presidência da República, em 120 anos, conseguiram escapar dessa maldição lançada contra o povo brasileiro desde a colonização. Basta atentar para as bestas da ditadura militar e os civis que vieram na seqüência. É preciso discordar veementemente da profecia liberal segundo a qual o povo tem o governo que merece.

A questão voltou à tona nos últimos dias depois que o atual presidente da República, diante dos questionamentos dos jornalistas sobre o reflexo da crise econômica que atinge o centro do sistema capitalista, considerou a situação “imperceptível” para o Brasil. A expressão, saída da própria boca presidencial e transmitida pelas emissoras de rádio e de TV para todo o País, não pode ser interpretada de outra maneira que não seja de cinismo, hipocrisia ou idiotice.

No mesmo dia de tal declaração os jornais registraram uma queda na Bolsa de Valores de São Paulo de 7,59%, o pior resultado desde 11 de setembro de 2001, quando a derrubada das torres gêmeas de Nova York escancarou para o mundo a fragilidade dos Estados Unidos. É claro que o povo brasileiro não está em condições de fazer aplicações na Bovespa, mas os 500 mil investidores da Bovespa podem desencadear uma onda de quebradeira capaz de atingir parte do povo. Da mesma forma, a fuga de capitais pode ter reflexos nas taxas de juros para o consumo, na geração de empregos e no câmbio – como ocorreu efetivamente com a elevação do dólar.

No mesmo dia da infeliz manifestação presidencial, a imprensa também havia registrado que a Petrobras estava em 4º lugar entre as empresas que mais haviam perdido valor de mercado, uma queda espetacular de 19,9%. Esse dado significa que as ações da maior empresa brasileira estavam despencando junto com o Bank of America, a Exxon Mobil, a General Electric e vários outros grandes grupos dos Estados Unidos. Significa que os acionistas da maior empresa brasileira, entre os quais milhares de trabalhadores que aplicaram seus FGTS na Petrobras, viram o seu patrimônio sendo pulverizado em pouco tempo, uma desvalorização de quase 20%.

Está claro que a crise econômica que abala os Estados Unidos, devido principalmente aos erros das políticas neoliberais que entregam a economia ao jogo descontrolado dos mercados, atinge também o Brasil, não apenas os bancos e as empresas, não apenas os aplicadores na Bovespa, mas o conjunto da sociedade – em especial os trabalhadores e os mais pobres, que certamente serão penalizados pelo sistema, pelos poderosos de sempre e por governos que se submetem aos interesses das oligarquias e ao capital internacional.

Declarar publicamente que o reflexo dessa crise será “imperceptível” no Brasil, que o País está blindado e não será afetado (discurso padrão das autoridades econômicas e financeiras), ultrapassa os limites do cinismo e da idiotice – é uma grande irresponsabilidade e um desserviço ao povo brasileiro. Nessas horas, a representação popular e o compromisso com o País exigem discursos autênticos e informações verdadeiras e, mais do que isso, exigem-se medidas concretas para proteção dos trabalhadores e dos mais pobres, de tal maneira que não venham a pagar por uma crise gerada no centro do capitalismo pela inerente natureza especulativa do próprio sistema.

O Brasil merece governos comprometidos com a redução das desigualdades e o desenvolvimento social, com o respeito integral aos direitos humanos, com a geração de empregos e com o bem-estar de todos, e principalmente com a defesa da soberania nacional. O Brasil merece governos comprometidos realmente com a construção de uma democracia popular, autêntica e verdadeira – sem os cinismos e as idiotices que marcam os governos fantoches do sistema.

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Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP

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