Os bares do Bilu

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— Nunca mais compre fósforos dessa marca! — pediu minha mulher, depois de quebrar alguns palitos sem conseguir acender o fogão.
Esse pedido, quem diria, me fez lembrar do Bilu, companheiro de militância no movimento estudantil e nos botecos da região da Cidade Universitária de São Paulo. Morreu há uns dois anos, mas evito tristezas ao me lembrar dos amigos mortos, procuro me lembrar só das boas histórias.
Uns anos depois da militância estudantil, soube que ele tinha comprado um boteco na avenida Vital Brasil, na região que frequentávamos. Fui lá, imaginando que encontraria velhos amigos. E encontrei mesmo. Muitos. Todos da nossa turma que souberam que o Bilu virou dono de bar foram lá comprovar e lembrá-lo que cachaceiro não dá certo do lado de dentro do balcão. Nosso lugar é de fora. Freguês que pula para o lado de dentro do balcão geralmente está fadado ao fracasso, não administra direito, vende fiado pra muita gente, não cobra dos amigos e por aí vai o caminho da falência.
Mas o Bilu deu certo.
Na primeira noite que fui ao bar dele, encontrei muita gente que nunca mais tinha visto.
— Abriram o portão do cemitério — brinquei.
E pra minha surpresa, na segunda vez que fui lá, soube que aconteceu mesmo algo como “abrir o portão do cemitério”. Na noite anterior havia aparecido lá o Cantagalo, andando com uma bengala.
— Não pode ser — falei. — Uma amiga me contou que ele morreu há um tempão. Ela disse até que foi ao velório dele.
— Pois é — falou o Bilu. — Eu também fiquei sabendo disso... Mas era mentira. Só que teve um cara que se negou a falar com ele, dizia que não falava com defunto.
O bar deu tão certo que logo o Bilu o vendeu e comprou outro maior, na mesma região. Arrumou um gerente ótimo, o Mendes, que era honesto e gostava da noite, e foi ganhando dinheiro. Ele me contou que não sabia mais o que fazer com a grana — não estava acostumado a dinheiro sobrando — e já tinha comprado uma casa e uma chácara.
Acabou virando sócio de um outro bar, mais “chique”, mais caro e mais movimentado. Um dos sócios era um amigo de muito tempo. Mas logo o Bilu soube que era roubado por ele e os outros sócios. Não acreditou. Teve que comprovar. Aí não brigou nem nada. Só ficou decepcionado, muito decepcionado.
A decepção foi tanta que ele largou tudo — bar, amigos, família... — e foi morar na rua, com uns mendigos que dormiam debaixo de um viaduto na avenida Paulo VI, antes dela virar avenida Sumaré. Alguns mendigos não gostavam da presença dele, diziam que ninguém dá esmola a pedinte que usa óculos. Outros gostavam, ele era bom. O problema foi uma mendiga que gostou demais. Fazia meses que ela não tomava banho, e queria porque queria que o Bilu transasse com ela.
Passaram-se meses, até que um dia, foi pedir um cigarro a um sujeito que passava. Chegou por trás do cara e deu um cutucão. O sujeito virou... era um antigo amigo dele. Ficaram cara a cara e o amigo teve uma crise de choro. Obrigou o Bilu a ir até sua casa tomar um banho e, enquanto ele estava no banheiro, telefonou para outros amigos contando o que tinha acontecido. Resultado: quando o Bilu terminou o banho demorado, já tinham decidido arrendar um bar para ele.
Afastou-se de todo mundo por decepção com as pessoas e voltou ao mundo normal por ter encontrado outras, boas e solidárias, pessoas amigas de verdade.
Mas o que a história do fósforo me fez lembrar foi de um dia que cheguei no bar dele, o anterior ao dos sócios ladrões, e ele estava rindo sozinho. Então me contou:
— Um cara chegou e pediu uma caixa de fósforos Pinheirinho. Peguei uma caixa de fósforos qualquer e entreguei a ele. O sujeito ficou furioso, saiu gritando: “Eu pedi Pinheirinho. Essa porcaria eu não quero”.
Já tinha visto freguês exigente com marcas de muitos produtos. De fósforos, foi o primeiro e único. Brinquei:
— Vai ver que fuma cigarro de qualquer marca, mas só acende com fósforo Pinheirinho.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de agosto. Nas bancas.