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Hoje, colunistas de diversos meios estão abrindo seus espaços para que estudantes de São Paulo possam falar, usando suas próprias vozes, sobre a experiência que estão vivendo de se juntar e lutar contra o projeto de reorganização de escolas de rede pública de ensino do Estado de São Paulo. Todos os textos serão reunidos pela hashtag #ocupaestudantes. Tenho a honra de abrir o meu espaço no Brasil Vivo da Fórum para Maryane Silva, ex-aluna da Escola Estadual DIADEMA. #OcupaEstudantes
De dentro da ocupação
Por Maryane Silva, 20 anos, de Diadema, SP
Repórter Énois
Desde o dia 9/11, cerca de 30 alunos estão acampados na Escola Estadual de Diadema, onde estudei e me formei, em 2013. Agora, como repórter, voltei para cobrir a ocupação. O grupo é contra o projeto de reestruturação do governo Geraldo Alckmin, que pretende fechar 93 escolas no estado de São Paulo e transformar 754 em unidades de ciclo único, segundo a Secretaria Estadual da Educação.
A escola vai manter o Fundamental 1 e 2. O Ensino Médio noturno vai acabar, e a galera quer manter as aulas à noite. Além disso, a ocupação, para eles, é uma forma de tentar dialogar com a secretaria, já que, em nenhum momento, a proposta foi aberta aos alunos, pais e professores. O famoso Dia E, que iria explicar as mudanças sugeridas pelo governo nas escolas, nunca aconteceu.
Rede ocupa
A organização começou antes da ocupação, propriamente. Como a maioria é menor de idade, foi criado um termo de autorização para que os pais assinassem. Assim, eles conseguiram o respaldo dos responsáveis legais para estar ali. Durante a semana, a imprensa retratou muitos pais orgulhosos dos filhos, apoiando as ocupações. A diretora, por outro lado, tentou ligar pra casa de alguns dos alunos para avisar os pais e pedir que viessem buscá-los. Eles respondiam: “Eu sei que meu filho está aí”.
O pessoal de Diadema tinha optado por não interferir nas aulas. Durante o dia, a chave ficava com a direção, que controlava normalmente o fluxo dos alunos, professores e funcionários. À noite, o grupo de alunos ocupantes ficava com a chave para poder fechar a escola. Pela manhã, o controle voltava à direção.
Foi assim até o secretário da Educação dar uma entrevista coletiva, na terça-feira, dia 17/11. Ele se disse aberto ao diálogo, mas não a alterou nada na proposta de reestruturação. Isso aconteceu logo depois de a Justiça derrubar uma liminar que pedia a reintegração de posse – ou seja, a saída dos alunos e o retorno da escola à sua rotina. A partir dali, a galera decidiu manter as portas fechadas e impedir as aulas. Continua assim desde então.
A chegada
Estou acompanhando o dia a dia da ocupação desde o dia 13/11, uma sexta-feira bem confusa. Primeiro, tentei ir à EE Ana Rosa, na região Oeste, mas não consegui entrar. À noite, ao voltar para casa, fui direto pra minha ex-escola. Queria ver como estavam organizando o movimento por lá. A EE Diadema foi a primeira a ser ocupada. Já resistia havia uma semana, algo impensável no começo da manifestação. Mal cheguei, teve vento e chuva forte, acabou a energia e o gerador queimou. No meio da confusão de barracas, alunos, professores, jantar e lista de atividades previstas, fui entendendo aos poucos o que rolava.
Voltei no sábado. Às 9h, estava em frente ao portão junto com um grupo de pais e mães em busca de informação sobre a reestruturação das escolas: era o Dia E, agendado pela Secretaria Estadual para esclarecer as mudanças. Só que lá a escola ficou fechada, segundo a secretaria, por conta da falta de energia.
Consegui entrar às 12h, quando a luz voltou e a direção liberou a entrada.
O dia a dia
O almoço chegou às 14h30. Nas primeiras semanas, a comida era bancada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, a Apeoesp. Agora que abriram a cozinha, são os estudantes que preparam a comida.
Lá dentro, a molecada lava roupa num tanque ao ar livre, organiza atividades culturais e faz reuniões. Definem a programação do dia, escolhem os representantes que vão às audiências, decidem se vão abrir, ou não, o portão. Os dias são movimentados. Os alunos saem para trabalhar ou fazer cursos e depois voltam. Os pais e mães também estão por ali, vão ver se os filhos estão bem, se precisam de algo, levam roupas e comida. Os advogados avisam sobre as audiências que pedem reintegração de posse da escola, ajudam na defesa e na argumentação. O conselheiro tutelar sempre passa por lá.
Todos os dias tem um embate, uma tensão: falta de luz, intimação, data de reintegração de posse, dia de audiência pública com o governo do estado... A galera se junta, usa a rede de apoio, pede ajuda e, dessa forma, o movimento sobrevive há mais de duas semanas.
Até quando? Segundo os alunos ocupantes, até o governo voltar atrás e chamar os estudantes para planejarem junto a reestruturação. Eles não acham que a proposta de sair das escolas para negociar possa ser chamada de diálogo. Querem fazer parte. E estão fazendo a sua parte.
A Énois é uma agência escola de jornalismo, que forma e experimenta com a galera de 14 a 21 anos, preferencialmente das periferias de São Paulo.
São Paulo, 02 de dezembro de 2015.