Reforma ministerial, coalizão e governabilidade

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A baixa fidelidade entre os partidos da base vem sendo creditada, por muitos analistas, à incapacidade de articulação política do governo Dilma. Porém, uma análise um pouco mais sóbria do processo pode nos indicar que estamos diante de uma tendência, que atravessa os governos FHC, Lula e o primeiro mandato de Dilma Por Vinicius Gomes Wu Esta é uma matéria da Fórum Semanal. Confira o conteúdo especial da edição 216 clicando aqui Ao anunciar a reforma ministerial, a Presidente Dilma retomou o tema do presidencialismo de coalizão – termo utilizado para caracterizar o caso brasileiro, no qual o chefe do executivo se vê obrigado a dialogar com vários partidos e formar maiorias no parlamento. A busca da governabilidade presidiu as recentes mudanças no primeiro escalão. Resta saber, no entanto, até que ponto há correspondência entre a configuração política do Executivo Federal e a dinâmica das votações no Congresso Nacional. Trata-se de uma questão central não apenas para o desfecho da atual crise, mas para a própria estabilidade política do país nos próximos anos. Em relação à reforma, cumpre ressaltar, inicialmente, que, goste-se – ou não – de seu resultado, o fato é que ela, no mínimo, marcou a retomada da capacidade de iniciativa por parte do governo. Quem não tem iniciativa não define a agenda política. E um governo que não incide sobre a agenda nacional fica refém de quem o faça. Com a reforma, o governo passou à ofensiva e colocou-se em movimento para deter o ímpeto golpista da oposição. A reforma parece ter surpreendido setores da oposição e da mídia, que até o último momento apostaram que a recomposição esbarraria nos impasses criados pela bancada do PMDB da Câmara dos Deputados. Não foi o que ocorreu. A oposição, liderada pelo PSDB, acusou o golpe e seus principais quadros trataram de desqualificar a nova configuração ministerial, com a histeria que lhes têm caracterizado ultimamente. E passou a depositar todas as suas fichas no neoativismo de alguns membros do TCU e TSE, vendo mais distante a hipótese de uma maioria favorável ao impeachment no Congresso. Se esse – evitar uma maioria favorável ao impeachment – foi o principal motivo da reforma ministerial, sua avaliação final poderá ser feita nas próximas semanas. Mas, se o objetivo central for assegurar estabilidade, maioria para governar e alguma tranquilidade em votações importantes, a mera recomposição política da esplanada dos ministérios pode não ser suficiente – e isso não diz respeito somente ao atual governo. Levantamentos realizados nos últimos anos demonstram que nunca foi tão baixa a correlação entre a ocupação de espaços no executivo e a atuação dos partidos no Congresso. De 2011 pra cá, em especial, vimos se dissolver o automatismo – se é que algum dia houve – entre o posicionamento do governo e o alinhamento e decisão das bancadas da base aliada. No ano passado, por exemplo, o índice de fidelidade entre os partidos que apoiaram Dilma nas eleições oscilou na casa dos 65%, um índice baixo para um governo com tantos partidos representados nos Ministério. Mas, mesmo Lula, no auge de sua popularidade, amargou derrotas importantes em votações realizadas no Congresso Nacional. Na crise do mensalão, o ex-Presidente petista tinha apoio de seus aliados em 79% das votações. Collor, no ano do impeachment, contava com expressivos 92% de apoio entre sua base. Portanto, governo após governo esse índice vem caindo. A baixa fidelidade entre os partidos da base vem sendo creditada, por muitos analistas, à incapacidade de articulação política do governo Dilma. Porém, uma análise um pouco mais sóbria do fenomeno nos indica que estamos diante de uma tendência, que atravessa os governos FHC, Lula e o primeiro mandato de Dilma. Ou seja, o modelo de governabilidade baseado na relação entre a ocupação de posições no executivo e o posicionamento das bancadas no Legislativo apresenta sinais evidentes de esgotamento. E o problema é que, invariavelmente, a fórmula adotada pelos diferentes governos vem sendo a mesma e, além disso, não há nenhuma liderança política – ou partido – que esteja apresentando alguma hipótese substancialmente distinta da que temos hoje. Até mesmo a então candidata Marina Silva que, desde sempre, busca situar-se por fora do establishment político, no momento no qual se viu diante da possibilidade de vencer as eleições, apressou-se em oferecer garantias de que procuraria partidos para formar maiorias e sinalizou, claramente, através de interlocutores, em direção ao PMDB (solução nada original, não é mesmo?). Há de se compreender as razões para o esgotamento do tal “presidencialismo de coalizão”, o que não é o objetivo do presente artigo. Mas, o fato é que inúmeros fatores contribuem para o aumento da infidelidade entre os partidos que sustentam os governos no Congresso brasileiro e eles vão desde a baixíssima consistência ideológica dos partidos até as distorções do atual modelo de votação, que coloca os indivíduos muito acima das agremiações partidárias. Claro que sempre tendemos a avaliar esse modelo de governabilidade – empregado por todos os Presidentes da República desde a redemocratização – a partir da análise dos resultados obtidos pelo atual governo. Mas, é preciso um olhar um pouco mais atento a esse processo, que nos permita enfrentar, verdadeiramente, o tema e imaginar novas possibilidades de concertação política. Em outras palavras, o esgotamento do atual modelo de governabilidade não é um problema, exclusivo, do governo Dilma. É algo que transcende os limites das opções políticas ao alcance de um mandato presidencial. É um problema da democracia brasileira e o que está em jogo é a capacidade de nosso sistema político em manter parâmetros minimamente previsíveis e estáveis de funcionamento, algo indispensável ao aperfeiçoamento e aprofundamento do processo democrático. Foto de capa: Antonio Cruz/Agência Brasil