As regras do Jogo

Somos livres para pensar em estratégias e chegar ao sucesso por outros caminhos. Por incrível que pareça, existem pessoas que conquistam a felicidade até sem dinheiro – olha só! Para quem nasce fora da norma, a única opção é quebrar todas as regras e arriscar o impensável: virar a mesa.

Escrito en LGBTQIAP+ el

Por Fabrício Longo, em Os Entendidos

Objetivo: ter uma vida longa, cheia de conquistas pessoais e felicidade de Instagram.

Número de competidores: aproximadamente 7 bilhões

Como jogar: a cor dos peões é escolhida por acaso, determinando a posição no tabuleiro. Os peões PRETO ficam obrigatoriamente 400 anos atrás dos peões BRANCO. Peões  HOMEM ficam sempre uma casa à frente dos peões MULHER, exceto quando se adiciona a carta GAY. Se o peão MULHER tiver a carta LÉSBICA, fica duas casas atrás do peão HOMEM e uma do HOMEM + GAY. As cartas do tipo BISSEXUAL não são aceitas por ninguém e os peões TRAVESTI/TRANS perdem a vez, ficando para a próxima rodada de bolsa.

 O sucesso é medido pelas cartas FAMÍLIA, AMOR, EDUCAÇÃO, SAÚDE e TRABALHO e DINHEIRO, com ganho de bônus quando a TRABALHO se consegue somar SONHO e SATISFAÇÃO. Os jogadores com as cartas GAY e LÉSBICA perdem pontos de aceitação na carta FAMÍLIA, especialmente se escolherem mostrá-las. Os pontos podem ser recuperados mais tarde com algum esforço, se as cartas EDUCAÇÃO e TRABALHO forem combinadas com a DINHEIRO. Em geral, peões TRAVESTI/TRANS são forçados a rasgar suas cartas FAMÍLIA, exceto nos casos em que ela está combinada com várias cartas AMOR. Para eles, conseguir as cartas EDUCAÇÃO, TRABALHO e SAÚDE é mais difícil do que para os peões PRETO, que geralmente não tem problemas com a carta FAMÍLIA (a não ser que combinem PRETO + GAY/LÉSBICA/TRAVESTI/TRANS).

Peões BRANCO + HOMEM + HÉTERO não tem nenhum tipo de problema.

Iniciada a partida, os jogadores com qualquer carta da sigla ALGBTQI, não importando a cor do peão, perdem cinco pontos da carta EDUCAÇÃO por causa do dano do BULLYING. Os peões MULHER perdem pontos quando combinados com a carta SEXUALIDADE, que passa a ser controlada, e voltam dez casas no tabuleiro por causa do envelope intitulado PADRÃO DE BELEZA. A carta MACHISMO faz todos os jogadores perderem uma rodada.

Os peões PRETO jogam o dado. Se o resultado for a face COTAS, ganham pontos em EDUCAÇÃO. Sem esse resultado, os peões BRANCO continuam a estudar em salas com pouquíssimos peões PRETO. Os jogadores com cartas GAY/LÉSBICA/TRAVESTI/TRANS também tentam a sorte, mas só avançam quando o dado cai em PASSABILIDADE. É só quando eles conseguem passar por “normais” que podem diminuir os efeitos da carta HOMOLESBOTRANSFOBIA, que é fatal.

Se todos estiverem vivos para completar os pontos de EDUCAÇÃO, é hora de lutar pela carta TRABALHO. Nesse quesito, os peões MULHER estão sempre atrás dos peões HOMEM, mesmo que seus pontos em EDUCAÇÃO sejam maiores. Os peões HOMEM também tem mais pontos na carta SAÚDE, já que peões MULHER não podem ter controle de seus corpos e peões TRAVESTI/TRANS são considerados doentes.

Dadas essas condições, os peões BRANCO + HOMEM + HÉTERO conseguem a carta DINHEIRO com maior facilidade, embora seja difícil para todos. É uma carta coringa, pois se o jogador tiver em grande quantidade consegue anular – ainda que falsamente – qualquer desvantagem listada. É a carta mais procurada por ser mais associada ao sucesso, chegando a valer mais do que cartas como TALENTO ou CARISMA.

As regras do jogo são essas, escritas na caixa e vindas da fábrica.

Somos livres para pensar em estratégias e chegar ao sucesso por outros caminhos. Por incrível que pareça, existem pessoas que conquistam a felicidade até sem dinheiro – olha só! Entretanto, afirmar que somos todos iguais é ingênuo ou deliberadamente torpe. A invenção de um “sujeito individual”, além da valorização exacerbada das coisas que nos fazem “únicos”, é recente. O desejo, o gosto pessoal, as opiniões políticas, os conceitos e os preconceitos, os sonhos de consumo e até aquilo que nos decepciona… Tudo é parte de nossa cultura, que vem se formando através da História e definindo de antemão quem serão os vencedores e os derrotados.

O jogo possui cartas marcadas e não há possibilidade de roubar. Para quem nasce fora da norma, a única opção é quebrar todas as regras e arriscar o impensável: virar a mesa.

GAME OVER.

Permita-se. Seja livre. Seja fabuloso.