A revolução do aparelho excretor

O que espanta a sociedade da norma é que, tanto homens e mulheres, independente da orientação sexual, sentem prazer anal

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O que espanta a sociedade da norma é que, tanto homens e mulheres, independente da orientação sexual, sentem prazer anal Por Marcelo Hailer O debate com os presidenciáveis exibido neste domingo (28) pela TV Record tinha tudo pra ficar no embate direto entre as candidatas Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB). Mas bastou a candidata Luciana Genro (PSOL) perguntar a Levy Fidelix (PRTB) sua posição a respeito da criminalização da homofobia e o casamento igualitário para que, o que estava morno, fervesse da pior maneira possível: Fidelix incitando a “maioria” a se “levantar contra a minoria”, as LGBT, no caso. A fala do candidato é caso de polícia e ativistas do Brasil inteiro já estão se mobilizando neste sentido. Mas, se por um lado, a resposta de Fidelix a Genro deixou boa parte dos brasileiros atônitos por sua incitação ao ódio, por outro, desnuda uma série de dispositivos que, até então, se encontravam escondidos nas falas do candidato pastor Everaldo (PSC) e seus apoiadores Marco Feliciano (PSC) e Silas Malafaia, entre outros grupos que defendem a “família natural”. Levy Fidelix, ao dizer que “aparelho excretor não reproduz”, deixa claro ou traz à tona aquilo que grupos LGBT e pesquisadores do campo da sexualidade apontam há tempos: o tabu do prazer anal e a desconstrução do sexo enquanto mecanismo reprodutivo “natural” da heterossexualidade. Desde sempre que a sexualidade dissidente (fora da heterossexualidade) é tratada como algo “abjeto”. O principal fator de abjeção se dá justamente por conta da relação anal entre homens. Mas isso é um discurso político que busca delimitar a prática heterossexual (penetrativa vaginal) enquanto fator natural, normal e reprodutivo, e a prática homossexual (penetrativa anal) enquanto fator anormal, anti-familiar e sujo. O que mais assusta estes grupos que defendem o sexo “limpo” e “natural” é que todos os corpos possuem um ânus que propicia prazer sexual a homens e mulheres, independente da orientação sexual. E, portanto, quando o sexo anal é tratado como algo prazeroso o discurso do sexo abjeto vai por terra. Pois, para além dos considerados “anormais”, o sexo anal é feito, inclusive entre pessoas heterossexuais. Ou seja, não há nada de “sujo” em tal prática. É a partir desta abjeção propagada pelos setores conservadores higienistas que grupos políticos resolveram subverter o fator abjeto e transformá-lo em potência política como ferramenta para desconstruir o discurso da norma: de que apenas homossexuais praticam sexo anal. Deixam claro também que o corpo abjeto assusta porque ele coloca em xeque uma série de dispositivos que visam controlar o corpo alheio. Não à toa, há grupos que consideram o aparelho excretor revolucionário e que, como bem sugere a filósofa Beatriz Preciado (O manifesto Contra-sexual), está mais do que na hora da sociedade ocidental subverter (destruir) o simbolismo do falo (exclusivo do macho reprodutor) e substituí-lo pelo símbolo representativo do cu, visto que todos o possuem. Além de matarmos o discurso da falta (ausência do pênis), colocarmos em desuso o macho-reprodutor e, de pronto, derruba-se a ideologia do sexo “limpo” e reprodutor. Ou seja, o aparelho excretor assusta porque ele derruba a crença milenar da sexualidade normal. Entende por que muitas pessoas e grupos consideram o simbolismo do cu revolucionário? 1472866_765960120117658_7066845080078747189_nIlustração: Laerte Coutinho