Sem vencedores, mas com perdedores

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Ninguém ganhou as eleições parlamentares ocorridas na Argentina no final de junho, mas houve um grande perdedor: o kirchnerismo. Cristina Kirchner, que foi eleita em 2007 por quase 50% dos votos e contava então com uma ampla maioria no parlamento, encontra-se agora com uma base parlamentar fragmentada.

As eleições mudaram 127 cadeiras na Câmara e 24 no Senado, sendo que agora o governo tem 94 deputados aliados, longe do quórum mínimo de 129 para aprovar seus projetos. Enquanto Néstor Kirchner, ex-presidente e líder do Partido Justicilista, recebeu 32,5% dos votos, a oposição, liderada por Francisco de Narváez (da União-Pro), recebeu poucos votos a mais, 34,7%, e conquistou 122 cadeiras na Câmara.

O governo perdeu principalmente nos distritos mais significativos. Um deles foi Buenos Aires, onde Kirchner foi derrotado por uma pequena diferença, 2%. “Perdemos na província (de Buenos Aires) por muito pouco (...) e o mesmo, por muito pouco, ocorreu em outros distritos. Estamos preparados para continuar a governabilidade e a administração da Argentina, com amor”, declarou o ex-presidente à imprensa logo após o resultado das eleições.

Apesar da declaração otimista, em menos de uma semana o próprio Kirchner renunciou à liderança do partido peronista, e o ministro dos Transportes, Ricardo Jaime renunciou de seu cargo. Apesar de sua carta alegar motivos pessoais, há desconfiança de que o resultado das eleições parlamentares tenha influenciado Jaime, que era um dos nomes mais fortes do kirchnerismo.

Eleições conturbadas

O processo eleitoral não foi tranqüilo. Um dia antes do fim do pleito, candidatos de oposição ao governo questionavam a transparência do processo. Houve denúncias de que estariam faltando cédulas oficiais contendo as legendas e sublegendas partidárias,mas os juízes da Câmara Nacional Eleitoral negaram a possibilidade de fraude. Na Argentina, os partidos são responsáveis pela confecção, distribuição e reposição das cédulas.

A ausência do povo argentino também marcou o processo eleitoral: 50% do eleitorado colocou seu voto nas urnas, abstenção que não se vê desde 2001, quando houve uma das maiores crise política e econômica da história da Argentina.

Análise

Para Osvaldo Coggiola, cientista político, a fragilidade política do kirchnerismo não vem de agora. “A base política de Kirchner parecia forte, mas não era tão forte. O kirchnerismo foi uma saída de crise diante de uma situação de crise”. Coggiola lembra que o governo de Nestor Kirchner só se formou para resolver a situação de extrema instabilidade política de 2002, unindo setores da sociedade argentina até com interesses contraditórios.

No entanto, a fragilidade do atual governo não significa uma vitória da oposição. “Não houve um vencedor claro. Os votos estão muito divididos entre radicais, centro-esquerda e direita”, afirma. De qualquer forma, o governo será obrigado a fazer alianças de todo o tipo, segundo sua análise.

“Abre-se um profundo processo de instabilidade política e, portanto, também de clarificação política, de quem é quem e de que lado esta cada um”. Coggiola acredita que, a partir de agora, o kirchnerismo está condenado e os setores políticos marcarão mais sua posição. “O que pode surgir agora é uma radicalização da esquerda muito mais profunda que nos outros países da América Latina. Porque, na Argentina, o confronto de classes e a relação de pobres e classe se assimila muito rápido”, entende.

Leia entrevista com Coggiola na edição impressa da Fórum de julho, em breve nas bancas.