Sociedade questiona o papel da Anatel

O cumprimento do papel designado à agência tem se deparado com obstáculos na implementação deste modelo idealmente pensado nos princípios da competição e universalização

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O cumprimento do papel designado à agência tem se deparado com obstáculos na implementação deste modelo idealmente pensado nos princípios da competição e universalização Por Bruno Marinoni, do Observatório do Direito à Comunicação O dia é especial. Uma entidade pública, símbolo da política dos anos 90 debuta. Os convidados se reuniram para a celebração às 16h, desta segunda, 5, no Espaço Cultural da Agência Nacional de Telecomunicações - a Anatel. A mensagem de seu presidente, João Rezende, afirma “ao longo de seus quinze anos de existência, a Anatel foi bem-sucedida na missão de estabelecer um arcabouço normativo sólido - com regras claras, resultantes de um processo decisório transparente -, condição necessária para o cumprimento das políticas públicas e para a atração de investimentos”. A sociedade questiona. Há exatos quinze anos, o governo federal colocava em prática um novo modelo institucional de regulação de setores estratégicos do mercado brasileiro. A instalação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no dia 5 de novembro de 1998, primeira entre as agências reguladoras a funcionar, marcou um passo importante no avanço da política liberalizante implementada nos últimos vinte anos. Com a criação dos novos órgãos, estavam dadas as condições para que o Estado entregasse empresas públicas à iniciativa privada, assumindo funções econômicas estritamente de regulação e fiscalização. Entretanto, o cumprimento do papel designado à agência tem se deparado com obstáculos na implementação deste modelo idealmente pensado nos princípios da competição e universalização. Em busca de uma regulação que efetive direitos A Anatel surge conjuntamente com a implementação de novas orientações políticas que “tiveram como principal fundamento a privatização do setor, deixando de lado políticas de compartilhamento, de desenvolvimento e de pesquisa”, afirma Marcello Miranda, membro do centro de estudos Instituto Telecom e um dos representantes da sociedade civil no Conselho Consultivo da agência. Criada para viabilizar um novo quadro de telecomunicações no Brasil no contexto da quebra do monopólio estatal de exploração dos serviços de telecomunicação pela Emenda Constitucional n.8/95 e pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), ambas criadas durante o governo FHC, foi atribuída à agência o papel de outorgar, regulamentar e fiscalizar o setor. As dificuldades anteriores do sistema de telecomunicações que fundamentaram o discurso a favor da venda das empresas estatais e da definição de um marco regulatório com ênfase liberal teria, de acordo com Miranda, sido fruto da ausência de investimentos por parte de sucessivos governos, o que repercutiu em ineficiência, encarecimento e obstáculo à expansão de serviços. A orientação política pautada pelo comprometimento com a prática de ajuste fiscal exigida por agentes do mercado financeiro teria estrangulado as possibilidades de um crescimento que incluísse novos setores da população e que proporcionasse um funcionamento satisfatório. A Anatel teria sido, então, criada por ideólogos do neoliberalismo no Brasil como parte da reconfiguração do papel do Estado em busca de uma solução para as deficiências das empresas estatais em um momento de crise do desenvolvimentismo e pressão do capital internacional. Proposto como solução, o órgão não vem cumprindo de forma satisfatória o papel que lhe foi designado. A Anatel, concebida como autarquia, com autonomia financeira, não tem como fiscalizar de forma efetiva as empresas privadas de telefonia que ocuparam o espaço da antiga Telebrás. Embora o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) tenha arrecadado R$ 7,9 bilhões em 2011, a Lei Orçamentária Anual (LOA), destinou apenas R$ 467 milhões para as despesas da agência (em 2010, esse montante foi da ordem dos R$ 300 milhões). Da mesma forma, com o mesmo objetivo de “fazer caixa” (basicamente cumprir metas fiscais determinadas por agentes financeiros), o governo federal tem retido, desde a sua criação em 2000, os recursos arrecadados pelo Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que tem por finalidade cobrir custos relativos ao cumprimento das obrigações de universalizar os serviços de telecomunicações. Já são cerca de R$ 12 bilhões utilizados como “contribuição para o superavit primário”. Segundo Veridiana Alimonti, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a regulação no Brasil, concebida como meio de viabilização das privatizações, teve “seu aspecto de regulação econômica fortalecido em detrimento da regulação social”. Assim, o processo de criação de agências reguladoras levou à configuração de um sistema “sem uma efetiva perspectiva de defesa do consumidor entre suas prioridades e em contexto de total ausência de uma cultura reguladora no país”. Distorções do sistema Notam-se facilmente as consequências da adoção de um sistema regulador com essas características. Ocorreu de fato a expansão do serviço de telefonia no Brasil nos últimos quinze anos, por exemplo, devido, principalmente, à popularização da tecnologia de aparelhos móveis (fenômeno que pôde ser observado simultaneamente em quase todo o mundo). De 2010 para 2011 a quantidade desses dispositivos que permitem tráfego de dados passou de 20,6 milhões para 41,1 milhões. Por outro lado, o país apresenta um quadro composto por tarifas mais altas de telefonia móvel para a população mais pobre, práticas ilegais no serviço oferecido e quedas frequentes nos sinais, o que tem levado a sociedade civil a pressionar o Congresso Nacional pela instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e cobrar da Anatel a proibição das operadoras comercializarem seus serviços. Os indicadores da agência para avaliação da qualidade da banda larga móvel, por exemplo, exige que somente em novembro de 2014 os usuários deverão contar com 80% de transmissão média contratada. Ou seja, as operadoras estão recebendo um prazo extenso para melhorarem o serviço que, ainda assim, ficará aquém do firmado no contrato com os clientes. Alguns problemas são ainda mais explícitos, como evidencia o caso das multas constituídas. Se o montante acumulado em 2011 alcança a marca dos cerca de R$ 616 milhões devido pelas operadoras à Anatel, apenas R$ 76,3 milhões foram arrecadados. Como solução discute-se a possibilidade da substituição do pagamento das multas pelas empresas por investimentos em suas próprias redes, o que as faria se capitalizar com dinheiro público e se justificaria ideologicamente como política de investimento. Foi dado, ainda, às próprias empresas que terão os seus serviços de comunicação multimídia e serviço móvel pessoal fiscalizados o direito de selecionar e contratar a entidade que faz a medição da qualidade. Isto quer dizer que a Anatel transfere para os agentes de mercado que deveriam ser monitorados a competência de definir e se relacionar com o instrumento de monitoramento, como um pastor que delegasse ao lobo a tarefa de tomar conta das ovelhas.