Taca cachaça que ela libera? Quem canta também pode refletir

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Por Jarid Arraes, [caption id="attachment_247" align="alignleft" width="211"](Divulgação) (Divulgação)[/caption] Na manhã de ontem, dia 19 de Maio, aconteceu em Fortaleza/CE o evento "Questão de Gosto se Discute SIM!", organizado pelos alunos da disciplina de Ética do curso de Jornalismo na UNIFOR. Coordenado pela professora Sandra Helena Souza, o seminário teve a proposta de debater a representação feminina na música popular, em especial no Forró Eletrônico, que embora seja um gênero musical amplamente presente no nordeste do Brasil, já alcançou visibilidade em programas de televisão aberta e novelas do horário nobre. É difícil negar que muitas letras de músicas populares tratam as mulheres de maneira pejorativa, montando uma representação objetificada, uma sexualidade passiva e um julgamento de caráter que se sustenta em princípios misóginos. Essas canções são comuns, fazem sucesso e refletem os valores distorcidos de nossa cultura. Ao mesmo tempo que exemplificam o que seus consumidores gostam de ouvir e cantar, essas composições também estimulam preferências e opiniões. Desse modo, cria-se e perpetua-se um ciclo vicioso em que a figura feminina não pode ir além do limite que o machismo impõe. Todos esses pontos foram devidamente expostos pela professora Kalu Chaves e também por mim; no entanto, o evento poderia ter sido só mais um debate acadêmico, se não fosse pela presença de dois "astros" do forró - Tony Guerra e Taty Girl - que foram convidados para que trouxessem suas vivências e opiniões. Foi a partir deles que se deu a genuína reflexão. Antes de chegar ao local do evento, eu tinha em mente uma missão muito bem delimitada: perguntar para Tony Guerra se ele sabia que uma das músicas tocadas por seu grupo, a "taca cachaça que ela libera", é uma apologia ao estupro de vulnerável, um crime hediondo segundo o código penal. Entre muitas afirmações feministas assertivas, apresentei o fato, e não pude deixar de me surpreender com o silêncio do público e as expressões faciais de incredulidade. Pelo que parecia, muitas pessoas ali nunca tinham parado para pensar que embebedar uma mulher (ou um homem) com o objetivo de "facilitar" o ato sexual é, na verdade, um crime. Pior, é um crime que nossa sociedade facilmente relaciona a "monstros" e "doentes", estereótipos que passam longe da imagem construída para um cantor de forró. A parte mais interessante, no entanto, não se deu pela reação da plateia, e sim pelo visível incômodo causado em Tony Guerra. O cantor mudou completamente sua feição e passou a afirmar em diversos momentos que jamais havia pensado sob aquela ótica e que se comprometia, a partir daquele momento, a nunca mais cantar essa música ou qualquer obra parecida. E foi além, dizendo que conversaria com outros colegas cantores de forró sobre o fato e pediria que também fizessem uma revisão de suas letras. Ainda é cedo para afirmar que tais promessas serão colocadas em prática. Como ambos cantores afirmaram múltiplas vezes, há muita coisa que se faz só pelo dinheiro. O público quer essas músicas e os artistas querem o cachê. Nem sempre a ética vence os interesses econômicos. Não obstante, o registro precisa ser feito para que a provocação se mantenha firme. Afinal, Tony Guerra, você foi suficientemente impactado para que cumpra sua intenção de filtrar o que canta? É fato que não existe debate onde todos concordam entre si e apenas dedicam suas falas para "complementar" o que os outros já disseram. Um debate se faz de pontos de vistas e lugares de fala distintos, até mesmo antagônicos, que após serem apresentados e defendidos, abrem o espaço para que todas as partes possam revisar suas convicções e deixar o ambiente com um pouco mais de conhecimento. Com isso dito, resta esperar que o evento tenha cumprido seu papel e gerado em todos os presentes o desconforto sadio que impulsiona mudanças.

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