Às vésperas de comemorar dois anos do canal Tele Sur, Beto Almeida, diretor da emissora no Brasil, fala sobre os planos de parceria no país e sobre o direito à informação
Em julho, deste ano, a Televisora del Sur - Telesur - completa dois anos no ar. A iniciativa do governo venezuelano previa uma televisão voltada para integração da América Latina.
Em entrevista à Fórum, Beto Almeida, jornalista e diretor da Telesur no Brasil, analisa os dois anos de Telesur e não-renovação da concessão da RCTV.
Almeida acredita que a posição da Venezuela em não renovar a concessão da RCTV, gerou maior inserção para produtores audiovisuais no país, através da criação de uma TV educativa em seu lugar. Além de levantar o debate sobre a finalidade das TV, em outros países. Como exemplo, Almeida aponta a atitude do Judiciário mexicano em cancelar a renovação automática das concessões de TV. No México, duas TVs dominam o espaço de radiodifusão.
FÓRUM- Em julho a Telesur completa dois anos. Qual sua avaliação diante dos compromissos estipulados pela Telesur em sua criação.BETO ALMEIDA- Sem dúvida é uma conquista dos povos latino americanos. Muitos jornalistas revolucionários sonharam com a criação de uma TV que tenha o ponto de vista dos movimentos sociais, da população latino-americana, que resgate e revele histórias e tradições da América Latina.
Atualmente a Telesur pode ser vista em todo continente americano e em uma parte da Europa, via satélite. Temos correspondentes em quase todos os países latinos americanos e uma rede que se amplia cada vez mais. Estamos obtendo sucesso na transmissão de fatos que as TVs comerciais nem comentam. Recentemente transmitimos, por quase duas horas, o Evo Morales [presidente da Bolívia], entregando títulos de terra aos camponeses. Era uma reforma agrária ao vivo para todo o continente. Alem disso, a troca de materiais audiovisuais entre o continente esta se intensificando. No Brasil, passamos uma série de filmes venezuelanos, cuja produção é praticamente desconhecida, e países latinos americanos estão tendo mais acesso à produção brasileira. Exibimos, há pouco tempo, o filme “O Tronco”, de João Batista de Andrade, e documentários sobre o MST, a história do samba, do bairro de Santa Tereza e várias outras produções.
FÓRUM- A Telesur, no Brasil, é muito restrita. Quais são os planos para ampliar a inserção do canal?ALMEIDA- Em qualquer parte do mundo, instalar uma televisão sem estar de acordo com a legislação local é um crime. No Brasil, a legislação é bastante restritiva. Não podemos lutar pela concessão de um canal, pois a legislação brasileira diz que, no máximo, 30% de capital estrangeiro é permitido na composição do canal de radiodifusão. Como o Brasil não é um sócio da Telesur, a única possibilidade ocorre por parcerias. Estamos com um projeto, por meio da TV Paraná, de lançar o sinal da Telesur em português, com cerca de seis horas de programação por dia.
FÓRUM- Qual a diferença na parceria que já existe com a TV Paraná?ALMEIDA- Sim, transmitimos com sinal aberto e qualquer pessoa do estado do Paraná pode assistir. No restante do país, a Telesur pode ser assistida por quem tenha antena parabólica, também, através da TV Paraná.
Agora o projeto é fazer a transmissão em português. A língua ainda é uma dificuldade. Com uma programação em português, seja com legendas ou dublado, acreditamos que isso vá ajudar no acesso.
Recentemente estive com o secretário de comunicação do Ceará, estamos prestes a fechar uma parceria da TVE do Ceará nos mesmos moldes.
FÓRUM- Recentemente o ministro Franklin Martins anunciou a criação da TV pública no Brasil. Como o senhor vê a iniciativa?ALMEIDA- Vejo com muita expectativa e esperança. No Brasil, há um enorme desequilíbrio não só da audiência, que é controlada pelas TVs comerciais, como nas próprias verbas públicas, também controladas pelo setor comercial, em detrimento da qualificação e expansão do setor público de televisão.
Acredito que as grandes iniciativas para democratização da informação surgem do setor público. Outros países da América Latina também estão investindo em canais públicos, a própria Venezuela, a Nicarágua, com o governo progressista de Daniel Ortega, a Argentina reforça o caráter de sua emissora pública. Por isso, vejo com bons olhos o anúncio da criação da TV pública no Brasil.
Com este anúncio, se ensaia uma campanha para identificar a iniciativa como um gesto autoritário. Precisamos ficar atentos e brigar pela abertura de um debate de como devem ser usadas as concessões radioelétricas, a que fins ela deve servir.
FÓRUM- Nesse debate, a Venezuela se coloca no centro da polêmica, com a não-renovação da concessão da RCTV, na Venezuela. A atitude do governo venezuelano contribui para a democratização das informações?ALMEIDA- Cerca de 350 produtores audiovisuais que nunca tiveram espaço de exibição nas telas venezuelanas estão na TV educativa que entrou no lugar da RCTV. Mas acredito que o principal feito da não-renovação da RCTV é a quebra do tabu da intocabilidade das concessões, que alguns setores da sociedade consideram vitalícios. As concessões podem ser renovadas ou revogadas. A prerrogativa da renovação, tal como da revogação, é o concessionário cumprir a lei. No caso da RCTV, a lei não foi cumprida, nem a lei do fisco. Pesava contra ela dois processos de sonegação de impostos, o que justificaria seu fechamento por razões fiscais. Mas, ela não foi fechada, a empresa continua atuando, só que sem o espaço de radiodifusão. Este gesto levanta para todo mundo que é direito da sociedade discutir como deve ser usado o espaço público radioelétrico porque é espaço comum.
No México, há duas semanas, foi revogada a chamada que permitia a renovação das concessões da TV automaticamente. Lá, a rede Televisa controla 70% do mercado de televisão e a TV Azteca os outros 30%. Este é um sinal de que o judiciário mexicano se sentiu mais animado com o debate provocado pela Venezuela. É este medo que causou a reação um pouco histérica do coronelismo eletrônico, o estímulo ao debate do espaço radioelétrico, que é sempre bom lembrar que é público.