Um mar de povo, de vida, pulsante - palavras e seus sentidos em 18 de março de 2016

São Paulo- SP- Brasil- 18/03/2016- Manifestantes realizam ato em defesa da democracia, na avenida Paulista. Foto: Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas
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Chegando no Metrô Trianon, comecei a sorrir: a diversidade tomou conta da avenida. Era gente que não acabava mais. Nunca vi uma manifestação que não fosse de pessoas com deficiência, com tanta gente nossa Por Adriana Dias* RESILIÊNCIA. Fui. Já no metrô, tive a honra de encontrar o Ênio, pessoa com deficiência como eu, ele, o cadeirante que foi espancado na época das eleições porque estava com uma camisa vermelha. Sim, isto aconteceu. Bem, ele estava lá de novo. INCLUSÃO. Chegando no Metrô Trianon, comecei a sorrir: a diversidade tomou conta da avenida. Era gente que não acabava mais. Nunca vi uma manifestação que não fosse de pessoas com deficiência, com tanta gente nossa. Tinha cadeirante de montão, surdo falando em libras (os reconheci por isso, obviamente), três mulheres cegas juntas, conversando com não cegas, bengalantes como eu, vi duas adolescentes com Síndrome de Down, e as pessoas junto com todos nós,  não como menores, menos humanos, mas como iguais. PULSAÇÃO. Como brasileiros e brasileiras que estavam ali, nós pessoas com deficiência na paulista hoje, nos juntamos a junto aos gays, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais, heterossexuais, trabalhadores sem terra, trabalhadores urbanos, rurais, alunos do ensino médio, das universidades públicas (das estaduais e federais), das universidades privadas, usuários ou não do FIES ou do PROUNI, jornalistas, músicos, artistas, intelectuais, atores, humoristas, funcionários públicos, petistas, não petistas, professores aos milhares, políticos, gente que gosta deles, gente que não aprecia muito seu discurso, enfim, tinha todo mundo. Encontrei amigos que eu não via há muito tempo. Abracei gente, senti cheiro de povo, de vida, de democracia, aquela que eu desejo com toda a minha alma e coração. LUTA. Num primeiro momento o ato de hoje me pareceu o desembarque da Normandia, tamanha era a força daquele povo vindo de todos os lados, expulsando da minha mente os absurdos que li na última semana, produzidos pelos que se afirmam pensadores do EIXO BRASILEIRO (o Plínio Salgado reloaded, Olavo de Carvalho, as bestas feras criadas pelo Rodrigo Constantino – ei, me bota na lista? –, e os jornalistas da direita que de tanto zurrar – não encontro verbo mais adequado a seu ofício – criaram corvos que agora grasnam contra eles ensandecidos). Não ganhamos a guerra, mas hoje viramos o curso dela: é o nosso dia D. HISTÓRIA. Depois lembrei da ditadura militar, do golpe em Jango, do Lacerdismo que levou a vida de Getúlio e pensei na Internet: sem ela, estaríamos na mão da Globo, e outro golpe, estrategicamente criado como do de 64, seria dado sem nenhuma manifestação popular como a de hoje. Notei duas diferenças muito importantes ao pensar nisso: a primeira, temos nas redes sociais, na Internet,  essa inusitada espécie de mistura entre rádio amador, ferrovia comunicacional, e muito mais, uma ferramenta que nos liga, e nos permite gritar juntos, lutar juntos. A segunda, temos a história: sabemos o que a Globo fez no passado, seu papel no golpe militar e sua atuação na e pela ditadura. Como me lembrou um amigo na Paulista hoje, não estamos lutando de novo pela democracia, estamos AINDA LUTANDO POR ELA. DEMOCRACIA. Meu desejo hoje é que os assistiram o desembarque da Normandia contra o EIXO GOLPISTA, formado pela GLOBO, pela extrema-direita e pelos políticos “homens de bem” (só para lembrar a Ku Klux Klan adorava usar esse termo, tinha até jornal informativo com a expressão) se animem, porque não ganhamos a luta contra o golpe, mas hoje efetivamente, o povo brasileiro se colocou do nosso lado. E que achando a maré do povo, a maré da nossa pulsação encontre essa força sublime que emana do povo a força democrática no guie a todos. *No Twitter: dias_adriana? Adriana Dias é bacharel em Ciências Sociais em Antropologia, mestre e doutoranda em Antropologia Social - tudo pela Unicamp. É coordenadora do Comitê "Deficiência e Acessibilidade" da Associação Brasileira de Antropologia, e coordenadora de pesquisa tanto no Instituto Baresi (que cria políticas públicas para pessoas com doenças raras) quanto na ONG ESSAS MULHERES (voltada à luta pelos direitos sexuais e reprodutivos e ao combate da violência que afeta mulheres com deficiência). É Membro da  American Anthropological Association, e foi membro da Associação Brasileira de Cibercultura e da  Latin American Jewish Studies Association.

Foto de capa: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas