Uma guerra guiada pelo esquecimento

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É grandioso e cresce cada vez mais... mas não alcança suas metas. Não alcança suas metas... mas mata centenas de pessoas ao ano. Mata centenas de pessoas ao ano... mas não derrotam seus inimigos. Entretanto, em que pese ser financeiramente gigantesco e mortalmente ineficaz, tem sua vida assegurada até 2005. Assim poderíamos resumir o Plano Colômbia, o plano de ação político-militar elaborado pelo governo colombiano em 1999 e que se tornou lei em Washington em 13 de julho de 2000.

Nesse dia, o então presidente dos Estados Unidos, William J. Clinton, disse ao mundo que o então presidente da Colômbia, Andrés Pastrana, havia trabalhado “com especialistas de seu país e de outras partes para montar o Plano Colômbia, de ação ampla, para buscar a paz, combater as drogas, reconstruir a economia e aprofundar a democracia”. E que aumentou em dez vezes os fundos de ajuda estadunidenses a esse país.

Dos 1.319 milhões de dólares aprovados então para alimentar a guerra contra as drogas na América Latina, foram parar na Colômbia 686 milhões, traduzidos não somente em dinheiro, mas também em ajuda militar, de inteligência e programas de erradicação de cultivos ilícitos (coca e amapola) e de desenvolvimento alternativo. Sem contar com os recursos que, via outros programas de ajuda (militar, social e para o desenvolvimento), elevaram o total a quase 998 milhões de dólares somente em 2000.

Hoje, mais de três anos depois, a situação econômica e social da Colômbia não teve nenhuma melhora substancial. A guerra segue assolando o país em todas as suas frentes, a droga continua chegando aos Estados Unidos e surgiram novos problemas originados pela contínua operação dessa guerra, que já gastou cerca de 2 bilhões de dólares.

A proibição inútil Esqueçamos por um segundo que Pastrana apontou no Plano Colômbia que as negociações de paz “com os grupos insurgentes constituem o núcleo de nossa estratégia”, sem conseguir nada. Outra das metas do plano, reduzir a taxa de desemprego, que em 2000 chegou a 20,5%, também não obteve êxito. Revisemos um pouco o tema das drogas.

De acordo com o Plano Colômbia, o narcotráfico, “com seus vastos recursos econômicos, vem gerando uma violência indiscriminada e ao mesmo tempo solapou nossos valores até um ponto comparável somente com a era da proibição nos Estados Unidos”. Comparação curiosa, parece esquecer que o fim da proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos anos trinta nos EUA foi a legalização das mesmas, não seu desaparecimento da face da Terra.

Indo além de suas afirmações despropositadas, desvelar os resultados do Plano Colômbia assemelha-se a entrar em um labirinto, pois curiosamente todos os índices oficiais levantados pelos Estados Unidos para produção e cultivo de drogas na Colômbia, por exemplo, são consideravelmente maiores que os de outras entidades internacionais, como a Oficina contra as Drogas e o Delito da ONU.

Em fevereiro deste ano, o czar antidrogas John Walters afirmou que entre 2001 e 2002 o cultivo de folha de coca diminuiu em quase 30%, de 169.800 para 144.450 de hectares de terras. Entretanto, a Oficina contra a Droga e o Delito da ONU anunciou que, nesse mesmo período, as cifras de hectares cultivados de coca eram de 144.807 e 102 mil respectivamente. Por outro lado, os governadores dos estados colombianos onde se cultiva a coca encararam os números de Walters com ceticismo: segundo os governantes de Putumayo, Floro Tunubalá, e de Nariño, Parmenio Cuéllar, para cada hectare erradicado em um estado da Colômbia, se cultivava outro em um local distante. As plantações, na realidade, não diminuíram. Deslocaram-se principalmente para a Bacia Amazônica.

Em uma carta enviada ao congressista Charles Taylor, em 8 de janeiro deste ano, Jess T. Ford, diretor de Assuntos Internacionais e Comércio da Controladoria Geral dos Estados Unidos, divulga dados reveladores: “De acordo com o Departamento de Estado, a Colômbia provê cerca de 90% da cocaína que entra nos Estados Unidos e aproximadamente dois terços da heroína encontrada na Costa Leste”. Ou seja, mesmo com todas as ações antinarcóticos, a droga continua sendo produzida na Colômbia e consumida nos Estados Unidos.

O absurdo nesse terreno chegou a extremos. No ano passado, ao notar que o preço do grama de cocaína se manteve estável no mercado estadunidense – o que significa que não há escassez do produto –, mas que seu nível de pureza baixou um pouco, o diretor do DEA Asa Hutchinson afirmou, de forma contundente, que isso era graças ao êxito no esforço antidrogas dos Estados Unidos e não às fumigações que deveriam acabar com a matéria-prima na Colômbia. Então, que resultados surgiram de tantas ações militares e antinarcóticos nesse país?

Esquecimentos... Voltemos a esquecer. Esqueçamos o caso exemplar (e não único) do senador democrata por Connecticut Chris Dodd, considerado por um tempo como defensor dos Direitos Humanos na América Latina. Foi ele que, durante os debates de aprovação do Plano Colômbia, mudou sua postura crítica para introduzir uma emenda ao pacote de ajuda, agregando a doação de helicópteros Blackhawk. Essas aeronaves eram fabricadas em Connecticut pela Sikorsky, uma empresa que deu muito dinheiro para as campanhas de Dodd.

Não vamos lembrar que as empresas construtoras de aeronaves militares e de armas, assim como as de produtos químicos, investiram vários milhões de dólares fazendo lobby no Congresso e no Senado de Washington para conseguir a aprovação do Plano Colômbia. E que assim conseguiram contratos nos quais se gasta quase 80% da ajuda estadunidense.

E esqueçamos que Carlos Castaño, o líder paramilitar mais importante da Colômbia (e do mundo), confessou em suas memórias haver recebido financiamento do narcotráfico em troca de proteção, e que os massacres dirigidos por ele fizeram cerca de 70 mil vítimas nos últimos dez anos. Em que pese o pedido de captura e extradição feito por parte dos Estados Unidos, Castaño acena para a legalização dos grupos paramilitares, convertendo-os em parte das forças militares colombianas (um plano, por certo, respaldado pelo governo de George Bush).

Sigamos perdendo a memória e não recordemos das quase 500 mil pessoas expulsas de suas terras pela violência, pela guerra e pelas fumigações na Colômbia. E que as substâncias usadas para a fumigação (o glifosato, basicamente) já causou muitas perdas econômicas e materiais para os camponeses do Sul do país, que as reses abortam, as galinhas morrem, que as plantações de milho e de banana ficam imprestáveis... Que mais de 100 pessoas tenham morrido por conta de respirar glifosato. E esqueçamos também que, mesmo com o Tribunal Superior da Colômbia tendo determinado a suspensão provisória das fumigações, o governo do presidente Álvaro Uribe decidiu aumentar as doses de glifosato e continuar fumigando.

Não lembremos, finalmente, que os 2 bilhões de dólares gastos em três anos não melhoraram o índice de desenvolvimento humano da Colômbia e que seu crescimento econômico chega apenas a 2% anuais. Apaguemos da história as opiniões de políticos dos EUA que dizem ser essa política estúpida ou o próprio reconhecimento do Secretário de Defesa Donald Rumsfeld de que o Plano Colômbia não foi bem sucedido. Vamos esquecer, porque é isso o que fazem todo o tempo o presidente Álvaro Uribe e seus ministros, George Bush e sua equipe, esquecendo essas e muitas outras coisas, ainda que a droga continue aí e a guerra não termine.

O Plano Colômbia não cumpre suas metas, mas segue crescendo. No entanto, suas metas se ampliaram, incluindo a luta contra-insurgente e antiterrorista, a proteção de um oleoduto e o crescimento da presença militar norte-americana. E, sendo assim, é possível que sua verdadeira finalidade seja outra. Mas isso é outra história...

Luis Gómez ([email protected]) é editor andino do sítio Narco News (www.narconews.com).