Caçar ou não caçar javalis em São Paulo?

O governador Márcio França, de São Paulo, referendou uma lei proposta pelo deputado Roberto Tripoli (PV), proibindo qualquer tipo de caça no estado, com exceção de algumas pragas urbanas, como ratos e pombos, e isso está dando muita polêmica...

Foto: Luiz Guilherme de Sá/Ibama.
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O governador Márcio França, de São Paulo, referendou uma lei proposta pelo deputado Roberto Tripoli (PV), proibindo qualquer tipo de caça no estado, com exceção de algumas pragas urbanas, como ratos e pombos, e isso está dando muita polêmica. O motivo maior é sobre a proibição de caçar javalis, espécie nativa da Europa, Ásia e África. Alguns criadores trouxeram javalis para criar em cativeiro aqui, parte deles escapou ou foi solta de propósito na natureza e o bicho virou uma praga para os fazendeiros. Grandes bandos invadem plantações como as de cana e de milho, e devastam boa parte delas. A caça de javalis (e também de um cruzamento deles com porcas – isso acontece – de que nascem os chamados “javaporcos”) vinha sendo permitida pelo Ibama desde 2013, por causa dos prejuízos que causam. Agora, não pode mais. Matar javali é crime. Quero meter minha colher nessa discussão. Transfiro essa história para algo que aconteceu em Fernando de Noronha, ex-território federal e agora distrito de Recife. Os primeiros navios europeus que chegaram lá levaram uma coisa que levavam sempre para qualquer lugar que iam: ratos. Muitos desembarcaram lá e, sem predadores, no arquipélago, proliferaram muito. Na década de 1980, diziam, exagerando, que havia um milhão de ratos na ilha principal, habitada por mil e poucas pessoas. O território era governado pelas Forças Armadas, revezando-se governadores do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O primeiro governador civil, o jornalista Fernando Mesquita, foi nomeado por José Sarney. Independente do que acho de Sarney, o governador tomou algumas atitudes para melhorar as coisas por lá. Contratou um Instituto de Pesquisas de verdade, dirigido por ambientalistas que entendiam do assunto, e vários estudos foram feitos. Uma preocupação era como acabar com os ratos. Mas havia outros animais que não faziam parte da ecologia de lá e tornaram-se predadores que arrasavam a fauna local. A história de querer acabar com os ratos era antiga. Um militar sugeriu uma época que se introduzissem um montão de gatos para caçar os ratos. Mas e depois, o que fazer com os gatos? Introduzir um montão de cachorros? E depois?... Eu fui fazer um trabalho lá em 1986 e me contaram que em certa época introduziram cinquenta cobras para comer os ratos. Felizmente, parece que as cobras eram todas do mesmo sexo e não se reproduziram, se extinguiram com o tempo. Aí um coronel disse que viu no Sertão nordestino um lagarto teiú comer filhotes de rato. Bom, em plena seca, com escassez de comida, até gente come rato, seja no Nordeste ou em qualquer outro lugar. Nos próprios navios dos colonizadores, quando a comida acabava os ratos eram caçados como alimentos valiosos. O certo é que convenceu o governo do território a introduzir lá o lagarto teiú, para eliminar os ratos comendo seus filhotes. Só que a comida preferida do teiú é ovo. E havia uma fartura enorme de ovos por lá, no chão, não requerendo nenhum esforço para serem pegos. As aves do território não tinham predadores e nidificavam no chão. Que lagarto ia sair atrás de rato tendo a comida preferida dele ali, à vontade? Foi um arraso. E pior: lagarto gosta também de ovo de tartaruga, e muitas tartarugas desovavam nas praias de Fernando de Noronha. Outro arraso. Quando cheguei lá, o teiú, um animal exótico, que não pertencia à ecologia local, tinha virado uma praga talvez maior do que a dos ratos. Mas havia um problema: “ecologistas” de boteco conseguiram criar uma lei tornando crime inafiançável matar teiús. Não entendiam que protegendo os “coitadinhos dos teiús” estavam colaborando para uma matança enorme de aves e tartarugas. Então, andando pelo território, a gente via aqueles lagartos grandões, gordos, fartos, andando despreocupadamente como se soubessem que ninguém podia mexer com eles. E continuavam destruindo a fauna que verdadeiramente pertencia ao meio ambiente local. Na época, o território estava fechado para o turismo, mas já se previa que, pela beleza do território e do mar que o envolve, seria inevitável que, quando a proibição passasse, haveria multidões de gente indo para lá. Minha ideia em relação aos teiús foi a seguinte: dizem que eles têm uma carne muito boa, gostosa. Então, que tal ensinar aos futuros “chefs” de restaurantes locais a fazer pratos com essa carne exótica, para turistas ávidos por novidades? Para completar, seria bom criar um “artesanato” à base de couro de teiú: sapatos, cintas, bolsas, carteiras... Isso ajudaria a conter um pouco a praga que os teiús viraram. Mas não era possível fazer isso: quem caçasse teiú para comer ou para usar seu couro iria em cana como criminoso ambiental. Sem poder pagar fiança e sair. Não fiquei lá muito tempo e não acompanhei o que foi feito, não voltei mais lá. Mas parece que derrubaram essa lei. O caso dos javalis e dos “javaporcos” em São Paulo é um pouco parecido. Não tem o mesmo impacto ambiental porque atacam roças já cultivadas, não tenho notícias de que acabem com outros animais. Tem algo meio incômodo pra gente: defendendo o “controle” dos javalis, parece que se está do lado dos agronegociantes. Longe de mim! Claro que maltratar qualquer animal, seja doméstico ou silvestre, é desumano, cruel. Não é recomendável de jeito nenhum. Gente que maltrata animais só pode ser vista como ruim, desqualificada, desumana. Os animais que consumimos, como porcos, vacas e galinhas, merecem o mesmo respeito. Têm que ser abatidos para que comamos, claro. Mas que isso seja feito, pelo menos, sem maus-tratos. Será que há controle sobre isso? Aliás, alguém disse que se os homens tivessem que matar os animais que comem, o número de vegetarianos se multiplicaria muito. O que fazer com os javalis e “javaporcos”? Maltratar, não. Caçadas com métodos cruéis, não. Mas, deixar que eles se locupletem destruindo lavouras impunemente pode ser? É um caso a ser discutido seriamente, por quem entende. E que se encontre uma solução humana para ele, se é que é possível, pois nós humanos nos colocamos como seres com direito de eliminar todos os outros. Solução “ambiental” não tem mais, no caso, pois as lavouras não são vegetações naturais a serem protegidas por ecologistas – podem, sim, os ambientalistas, verem se os métodos agrícolas são adequados ou se, com o exagero no uso de agrotóxicos, não estão tornando desertos lugares onde se “praticam” essas lavouras. Falo disso porque há lugares do Brasil que foram transformados em desertos por agronegociantes a quem não interessa nem um pouquinho o destino da terra em que plantam. É o caso do Deserto de Alegrete, no Rio Grande do Sul. Fazendeiros usaram e abusaram do direito de fazer da terra o que queriam para obter seus lucros e deixaram para o país a tarefa de recuperar esse deserto gastando muito mais do que eles ganharam. O lucro destruindo foi deles. O gasto para tentar recuperar é nosso. Uma coisa eu tenho certeza: apesar do projeto de lei ser de um deputado “verde”, proteger javalis não significa proteger o meio ambiente brasileiro. É um animal exótico como o rato e os pombos, e também como outros que comemos diariamente sem nos preocuparmos, como a vaca, as galinhas e os próprios porcos que se cruzam com eles. Ah, tem os peixes também. Acho estranho que quando se fala em não matar animais excluam os peixes, como se eles fossem vegetais. Um adendo: em relação aos vegetais também há confusões sobre o que é ou não “ecológico”. Uma vez, numa cidade do interior paulista, vi um monte de gente protestando contra um “crime ecológico” praticado pela prefeitura: para reparar mata-burros e porteiras de estradas municipais, de terra, ela estava derrubando eucaliptos. Falei com alguns deles que o eucalipto (não eram enormes plantações para a indústria de celulose, mas bosques pequenos) servia para isso. Se não usassem madeira de eucalipto, iam ter que cortar perobas, ipês e outras árvores que eram da floresta nativa. Eucalipto, importado da Austrália, não faz parte da flora nativa, é uma planta comercial, exótica (ressalvo: nada a ver com a monocultura como é praticada pela indústria de celulose – feita muitas vezes de forma que pode-se chamar de criminosa), de crescimento rápido, que não tem nada a ver com o meio ambiente brasileiro. Era preciso consertar mata-burros e porteiras? Sim. Então, preferiam que se usasse eucalipto ou peroba, ipê e outras madeiras “nobres”? Não adiantava argumentar... Quem quiser saber de alguns animais exóticos (quer dizer, de outros ambientes), que viraram pragas sugiro que procure um pouco de informações sobre a introdução de certos animais na Austrália: 1) o sapo cururu (do Brasil), por produtores de cana que queriam combater um besourinho que seria comido pelo sapo; 2) o coelho, levado por ingleses; e 3) o camelo, para viver no deserto australiano... Ou ver o que aconteceu com pítons, grandes cobras levadas por estadunidenses para a Flórida, se cansaram delas e soltaram nos pântanos locais e estão dizimando a fauna local.