A direita leu mais Gramsci que a esquerda

Andrea Caldas: “Gramsci, o tão combatido pela direita, foi ignorado pelo outrora governo progressista de plantão sazonal. A disputa foi substituída pela conciliação”

Gramsci - Foto: Wikimedia Commons
Escrito en OPINIÃO el
Gramsci, após a tentativa frustrada de repetir a experiência da revolução russa na Itália, dedicou seus últimos anos - parte deles no cárcere político do regime fascista de Mussolini - a entender os erros do movimento e pensar na superação histórica. Por isto, ele é lido - e combatido - até hoje. Porque não se limitou a lamber as feridas ou reclamar da direita, porque esta exercia seu poder e disputava hegemonia. Gramsci entendeu que, no caso da Rússia, a tomada de poder de forma insurrecional correspondia a um tipo de sociedade - que ele qualificou como do tipo oriental - em que o poder do governo estrito era quase absoluto. Derrubar o governo era sinônimo de conquistar o poder. Na Itália dos anos 30, ao contrário, já havia uma sociedade civil mais complexa - imprensa, partidos, organizações sindicais e empresariais - que ombreavam o poder ideológico de Estado. Derrubar o governo era apenas uma tarefa na conquista do poder mais amplo. Eis que, nas sociedades de tipo ocidental, era preciso empreender a guerra de posição e disputar muitos espaços de poder, além dos postos de governo, no sentido estrito. O Brasil se aproxima da qualificação definida por Gramsci para a Itália. E esta análise é partilhada pela esquerda aqui, há muito tempo. Desde, especialmente, as traduções e interpretações de Carlos Nelson Coutinho. Nos debates internos do PT estas análises eram recorrentes. Ocorre que o governo lulista parece ter cedido à tentação de substituir a análise das forças políticas e hegemônicas pelo poder do carisma político, nos termos rebaixados do populismo sul-americano. O Estado é tudo foi alterado por o “presidente é tudo”. E sim, Lula e seu carisma e genialidade conseguiram muito em uma sociedade quase estamental e profundamente desigual. Mas, se o carisma e a personalidade foram o norte, também foram a limitação. Em quase 14 anos de governo progressista - um recorde histórico para o Brasil - com 80 por cento de popularidade, com maioria no Congresso e maioria absoluta das indicações no STF, nenhuma reforma estrutural (além da Reforma da Previdência) foi sequer proposta. Nenhuma, absolutamente nenhuma. Sequer a assinatura de convênio com a rede Telesur foi feita. Quatorze anos de um governo progressista, que não sabemos se um dia irão voltar. E não houve nem guerra de movimento, nem de posição. Gramsci, o tão combatido pela direita, foi ignorado pelo outrora governo progressista de plantão sazonal. A disputa foi substituída pela conciliação.

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