Há uma esquerda que é órfã da Globo

Em seu novo texto para a Fórum, Andrea Caldas diz que a “Globo não fará, nem hoje, nem nunca, o papel de educação política que cabe às escolas, universidades, movimentos sociais, partidos e governos”

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Sim, uma parte da esquerda cobrou da Globo (!) a função de tecla sap do enredo metafórico da Tuiuti. Supostamente, o enredo da Escola homenageava Lula. Mas, como isto não ficou absolutamente claro na narrativa do samba-enredo, militantes cobraram que a Globo deveria ter esclarecido esta lacuna interpretativa. E por que uma televisão comercial deveria ter este papel? Porque não temos e não tivemos uma alternativa público-estatal de rede de comunicação de massas. Porque durante 13 anos, de governos lulistas, a TV Brasil tornou-se um santo sepulcro. Nem os militantes do governo a assistiam. Há um diálogo que Roberto Requião reporta sempre em que ele teria proposto a José Dirceu, então Ministro da Casa Civil do primeiro governo de Lula, um projeto de vitalização de uma TV pública e que Zé Dirceu teria dito: “Não precisamos, já temos a nossa TV Estatal. É a Globo”. Se é verdade ou não, o fato é que dívidas da Globo nunca foram cobradas, que a publicidade estatal correu solta para a Globo e que Lula - ao contrário do liberal Tancredo Neves - concedeu sua primeira entrevista oficial na bancada da Globo. E depois disto, a Globo cofinanciou o filme “Lula, o filho do Brasil” - um drama açucarado que tratava de apresentar Lula com um self-made man. E logo mais, Dilma foi ao sarau da Lily Marinho e fritou omelete no programa da Ana Maria Braga. Ninguém cobra isto da TV Brasil. Até porque ninguém assiste. Ninguém cobra da Record - que hoje, disputa índices de audiência com a Globo, nos segmentos populares. A bronca é sempre com a “tela da Globo”, que todo mundo boicota e todo mundo comenta. E este raciocínio enviesado também contaminou a percepção sobre a Regulação da Mídia. Enquanto a maioria dos militantes da área defende uma regulação econômica (contra a cartelização vigente) e princípios básicos do direito constitucional, como o direito de resposta, há gente que acredita que a Regulação da Mídia fará censura de conteúdos. Há gente que sonha com uma Globo pessoal. Mas, como já disse José Simão, a grande questão que se coloca é “desestatizar a Globo”. A Globo não fará, nem hoje, nem nunca, o papel de educação política que cabe às escolas, universidades, movimentos sociais, partidos e governos. A Globo é privada, ainda que concessão estatal. Não cobremos dela um papel que é nosso.

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