Esculhambação partidária – Chico Alencar

Quase todos os partidos, entre nós, são ajuntamentos de defesa de bens particulares ou carreiras individuais, e não do bem comum e do querer coletivo. Sem doutrina, sem ideologia para viver. Controlados por caciques ou chefetes com votos ou não

Arthur Lira durante sessão que votou a PEC dos Precatórios (Foto: Antônio Augusto/Câmara dos Deputados)
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Partido, em qualquer sociedade, é por excelência instrumento de organização da vontade coletiva de classes e grupos para, ocupando espaços de poder, implementar políticas públicas na sociedade. Sem ele não há democracia.
É mesmo? Em tese, sim.
No Brasil, raramente. O que se vê, na nossa democracia tantas vezes formal e banal, são 33 partidos políticos que, na sua maioria, reúnem interesses de grupos econômicos e fisiológicos (inconfessáveis) para colocar o aparato de Estado ao seu dispor.
Quase todos os partidos, entre nós, são ajuntamentos de defesa de bens particulares ou carreiras individuais, e não do bem comum e do querer coletivo. Sem doutrina, sem ideologia para viver. Controlados por caciques ou chefetes com votos ou não. Voltados unicamente para as eleições. Beneficiários da corrupção sistêmica, de coisas do tipo do "orçamento secreto" e outras tenebrosas transações.
Partido virou negócio lucrativo. O poder corrosivo da grana compra "princípios" e "projetos". Os fundos partidário e eleitoral - oferecidos de acordo com o número de deputados federais de cada legenda - são bilionários. Só o PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, pegou, na "boca do caixa", R$ 359 milhões ano passado, R$ 9 milhões a mais do que o PT, com sua grande bancada.
Ano que vem serão nada menos que R$ 5,7 bilhões para o "rachuncho". Não por acaso, um mandato de deputado federal está "precificado": traz tal soma em grana para os cofres partidários.
Daí o leilão em que Bolsonaro se coloca para entrar no nono partido de sua carreira política. Toma-lá-dá- cá descarado, controle de diretórios e das tesourarias dos partidos, acerto sobre quem manda mais. Uma mixórdia total, movida a dinheiro e poder.
Nas chamadas esquerdas os interesses menores e personalistas também chegam. Há "movimentações" partidárias por mero cálculo eleitoral: no pragmatismo dos tempos atuais, tem quem ache que "é melhor ganhar feio do que perder bonito". Às favas com os ideais de aposta na organização popular, no trabalho de base, no debate democrático e horizontal sobre alternativas e ressignificação do socialismo.
Para alguns individualistas, militante partidário cobra demais, "dá trabalho"… Na hora do ego, o gregário não tem vez.
Nesse quadro de deterioração, o PSOL, partido ainda pequeno, mas com vocação de grandeza, tem um papel a cumprir: o de mostrar, a todo momento, que política se faz com ideias e causas, com visão de mundo, de país e de cidade, com horizonte utópico, coerência e vontade, sempre vinculando suas figuras públicas ao trabalho de formiguinha da base - sem o que não se muda a sociedade.
É rima e solução, tanto que o PSOL (o TSE atesta) foi o único dentre todos os partidos que não perdeu filiados em 2021. O número dos que ingressaram, conscientemente (para nós, crescer não é inchar), é maior do que o dos que saíram - aliás, nenhum criticando o partido, ainda que nem sempre explicando as razões da troca de legenda…
Vale a pena resgatar a Política (com "P" maiúsculo). Como dizia Agostinho Neto, líder da independência de Angola: "Temos falhas e não podemos nos achar os melhores: nossa causa sim, é a melhor e a mais justa".

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.