Entrevista exclusiva com Tarece Johnson, liderança judia dos EUA – Por Ana Beatriz Prudente

Confira a entrevista com a importante liderança do judaísmo negro nos EUA.

Foto: Dra.Tarece e o senador Raphael Warnock
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A diversidade acompanha a história do povo judeu há muito tempo. De acordo com pesquisadores e historiadores, os hebreus não eram os únicos escravizados em Mitsrayim (Egito antigo e preto). Quando aconteceu o êxodo do povo hebreu, fuga de Mitsrayim, muitos que ali estavam os acompanharam, incluindo alguns egípcios. Assim, podemos dizer que a diversidade no judaísmo é milenar. Na atualidade, os judeus estão em todos os continentes e com as mais diversas características étnicas. No continente africano existem muitas comunidades judaicas, de etnias judaicas. Eu vou destacar um grupo étnico africano com o qual eu tive contato mais próximo: os hebreus Ibos, que descendem das tribos de Israel Gade, Zebulun e Manassés. O meu contato mais próximo com esta comunidade se dá por alguns motivos pessoais e um deles é porque sou filha de um africanista, que viajou pelo continente e morou por um tempo na Nigéria, na Angola e em outros países africanos. Falar de África para mim, ou de qualquer questão ligada ao continente, tem uma ligação muito forte comigo.

A comunidade judaica nigeriana tem um perfil conservador, fiel aos costumes e é muito unida. Ela é responsável por trazer grandes contribuições para os estudos de cultura judaica e judaísmo. A Nigéria tem em torno de 26 sinagogas e institutos de pesquisa de cultura judaica. E mesmo com toda essa força e organização, eles são vítimas de perseguição por conta do antissemitismo. Em novembro do ano passado, pelo menos seis sinagogas foram invadidas e destruídas por soldados no Estado do Rio na Nigéria. Durante o ato de violência, pelo menos 50 pessoas foram mortas e uma testemunha ocular disse que duas pessoas foram presas em uma das sinagogas por “usarem Kippah e Magen”.  O antissemitismo é uma realidade do continente africano, as comunidades judaicas africanas são muito perseguidas e por isso elas precisam de proteção internacional e do olhar atento daqueles que defendem os direitos humanos.

A minha caminhada na construção da minha identidade como mulher judia preta também foi uma busca por referências de outras mulheres judias pretas fortes. Encontrei-as nos Estados Unidos e por isso reverencio e trato com muito carinho a comunidade negra judaica estadunidense. Essas mulheres foram fundamentais no começo da minha trajetória. Posteriormente eu fui acolhida pelo rabino Michel Schlesinger na Congregação Israelita Paulista, onde estudo e tenho hoje um sentimento de pertencimento.

Nos EUA os negros judeus criaram as suas próprias entidades, seus institutos de pesquisas e são ativistas contra o antissemitismo e o racismo. Indiscutivelmente há um forte protagonismo feminino na comunidade judaica norte-americana, e há muitas mulheres judias pretas que se destacam ou como lideranças políticas, ou como rabinas ou como pesquisadoras de cultura e história judaica. Entre as mulheres pretas judias há algumas que se destacam como articuladoras valiosíssimas para o partido democrata (Democrats)

O mundo acompanhou as eleições estadunidenses, que elegeram com força a chapa Biden/Harris.  Um estado que se destacou no cenário político foi a Geórgia, onde se encontra a cidade de Atlanta, um ponto efervescente de cultura judaica negra (assim como Nova York) e lá se encontram várias lideranças pretas desta comunidade, entre elas a Dra. Tarece Johnson, uma articuladora importantíssima para o Partido Democrata.

Tarece, junto à alianças formadas por negros e judeus da Georgia, foi fundamental na eleição do primeiro senador negro da história do estado Raphael Warnock (que nunca havia se candidatado a um cargo eletivo até então) e também na eleição de Jon Ossoff, filho de um judeu de origem russa e o mais jovem a ser eleito senador dos EUA em décadas.

Dra. Tarece e o prefeito de Atlanta, Kassim Reed

Tarece é hoje uma das mais expressivas lideranças da comunidade judaica da Geórgia e, sem dúvida, uma referência muito importante para as mulheres pretas judias. Mãe, filantropa, escritora, ativista e artista, ela é uma especialista multicultural, funcionária pública, líder educacional, eleita oficialmente para o Conselho de Educação e Conselho Escolar do Condado de Gwinnett e membro do Conselho de Relações com a Comunidade Judaica de Atlanta, além de ser membro do Temple Sinai Atlanta.  Passou por grandes Universidades, entre elas a Columbia University em Nova York. É líder da NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) de Atlanta, da Alliance for Black Lives (Aliança por Vidas Pretas) e da March On Georgia, associações onde trabalhou incansavelmente em questões que afetam as pessoas e comunidades desprivilegiadas e marginalizadas. Ela luta apaixonadamente contra o antissemitismo e racismo sistêmico. Suas experiências multiculturais a levaram a criar a Global Purpose Academy, um programa internacional sem fins lucrativos para crianças que visa uma educação emancipatória. Ela também é co-fundadora da Multicultural Jewish Alliance (Aliança Judaica Multicultural), que é extremamente importante na promoção das discussões sobre diversidade na comunidade judaica local.

A primeira vez que conversei com Tarece Johnson pedi para ela me contar um pouco sobre a importância da diversidade, e nunca vou me esquecer de suas palavras: “Being a White antiracist is like fighting against this strong tide that pulls you into deep water. societal racism is this deep ocean of biases, prejudices, hate, misperceptions, antiBlackness. We are all swimming in it.

If everyone swims with the tide, it grows stronger, higher, and more powerful. If someone swims against the tide it is extremely difficult and comes with pain, sacrifices, and suffering.

Imagine if we all swam against the tide.  The tide would turn and the deep ocean would be one of unity, justice, joy, love, and peace. Everyone would benefit and thrive because we are all swimming together in the same direction doing what is right for humanity.”

Nesta minha primeira entrevista internacional para Revista Forúm eu converso com ela, que é respeitada na comunidade judaica norte-americana, respeitada pelo movimento Black Lives Matter e muito respeitada pelo Partido Democrata: Tarece Johnson.

1 - Dra. Tarece, Atlanta concentra uma elite negra. Um negro rico sofre menos racismo nos EUA?

O racismo e o movimento antinegritude afetam os negros, independentemente de sua condição socioeconômica. Pertencer a elite rica não torna um negro, pardo, indígena ou asiático imune ao racismo, intolerância e ódio.

2 - Você foi uma importante articuladora nas últimas eleições. Você pode nos contar sobre a tensão entre republicanos e democratas?

Há tensão e isso foi demonstrado ao mundo em 6 de janeiro de 2021. A insurreição exemplificou a tensão entre progressistas e alguns conservadores. As novas leis que estão restringindo o direito de votar de forma fácil também são um exemplo desta tensão. Muitos líderes progressistas estão combatendo a supressão de eleitores com ordens, políticas e programas locais para garantir que todos possam votar independentemente de sua filiação política.

3 - Você é uma importante líder judia na defesa da diversidade dentro da comunidade judaica. Na sua opinião, qual a importância de valorizar a diversidade nos espaços judaicos?

É importante valorizar a diversidade judaica porque devemos entender que nossa comunidade consiste em pessoas de diferentes áreas geográficas, culturas, raças e etnias. Não somos todos brancos com herança europeia. Compreender a história do povo judeu e reaprender quão verdadeiramente diversos sempre fomos é importante para garantir que todos se sintam vistos, ouvidos, celebrados e respeitados. Quando aprendemos sobre quem somos como povo judeu, entendemos a riqueza de nossa comunidade diversificada e as pessoas saberão que nós todos pertencemos. Somos todos criados à imagem de Deus e os judeus não brancos não continuarão a se sentir como forasteiros que recebem questionamentos, investigações, exclusões, pessoas encarando etc. Somos todos judeus e somos seres humanos que merecem ser valorizados independentemente de nossas semelhanças e diferenças.

4 - Recentemente, a comunidade asiática foi brutalmente atacada nos Estados Unidos. Como a comunidade negra apoiou a comunidade asiática?

As comunidades negra e asiática se uniram em solidariedade contra o racismo e o ódio. Participamos de memoriais liderados por asiáticos e de comícios e marchas em apoio ao fim do ódio contra os asiáticos. Também organizamos um evento de solidariedade com indígenas, latinos/hispânicos, asiáticos, ilhéus do Pacífico, brancos e negros para encorajar a união e o apoio mútuo para erradicar o racismo, a intolerância e todas as formas de ódio.

Acredito que a solidariedade é crucial para que possamos nos responsabilizar, estar cientes de nossos próprios vieses e preconceitos e aprender e aceitar os outros, independentemente de como sejamos diferentes. A solidariedade é necessária e ela cria uma base sólida para acabar com os sistemas de opressão em ruínas e destruir as estruturas do racismo. Solidariedade moralmente consciente, corajosa e humanitária é a resposta e é a única maneira de parar o ódio.

5 - O mundo inteiro acompanhou as repercussões do caso George Floyd e agora acompanha o julgamento. Como o resultado deste julgamento pode contribuir para a luta contra o racismo nos EUA?

O mundo está assistindo ao julgamento de Chauvin e espero que nosso sistema de punição criminal possa demonstrar o progresso necessário para justiça e humanidade para os negros. Somos todos humanos e parece que os negros estão consistentemente, por séculos e além, implorando por nossa humanidade, por justiça e por libertação.

A comunidade, a nação e o mundo assistiram quando George Floyd alegou que não conseguia respirar várias vezes e todos nós o ouvimos gritar por sua mãe. George sabia que estava sendo morto por um policial e seu destino era o de tantos negros na América. A comunidade negra ficou traumatizada novamente por outro assassinato. A violência afetou desproporcionalmente as comunidades negras e o trauma geracional foi perpetuado. Espero que o resultado deste caso nos inicie em uma nova jornada de responsabilidade, restauração, reparações, reinvestimentos e igualdade para que possamos nos curar, sobreviver e prosperar.

O resultado deste julgamento pode ajudar a estabelecer um novo curso de como policiamos nossas comunidades. Ele enviará uma mensagem às autoridades policiais que pode alterar a forma como eles abordam e prendem as pessoas. Espero que o resultado acabe com a imunidade qualificada, acelere as reformas necessárias em nosso sistema de punição criminal e incentive as pessoas a reinventar os investimentos em comunidades marginalizadas. Devemos fazer a pergunta "por quê?" e abordar a raiz do problema com programas, iniciativas e outras intervenções. Devemos cuidar e liderar com empatia e respeito por toda a vida humana.

Espero que nunca nos esqueçamos dos nomes e histórias dos humanos que foram assassinados pelas autoridades. Espero que possamos investir no fim da violência que está matando os negros. Rezo para que o mundo valorize nossa humanidade, porque a vida dos negros também é importante.

6 - Meghan Markle deixou a Inglaterra porque não suportava os ataques racistas da imprensa e a falta de apoio. Você pode nos contar como a comunidade negra dos EUA acolheu o casal Meghan e Harry?

A comunidade negra acolheu Meghan Markle e o Príncipe Harry porque nós entendemos. Simplesmente sabíamos que eles precisavam de uma tábua de salvação e de pessoas com recursos, que fornecessem o apoio que precisavam para se sentirem seguros e protegidos.

Muitas pessoas assistiram de longe a espiral descendente e o vitriolo racista da imprensa britânica, da mídia e de alguns membros da comunidade. Percebemos as disparidades entre a cobertura de Kate e Meghan. Vimos a falta de solidariedade, empatia e a ausência de denúncias de ódio contra Meghan. Meghan se sentia sozinha, solitária e sem apoio. Ela tinha pensamentos ativos sobre suicídio e não foi atendida pela instituição. Sua humanidade não foi valorizada. Sua família teve recursos negados e eles ficaram desprotegidos. Eles precisavam de segurança e suporte e simplesmente não os tinham no Reino Unido. Então, eles partiram e entendemos por que precisaram se mudar para ter paz de espírito, alegria espiritual e sobreviver.

A comunidade negra e muitos outros simpatizavam com Meghan, embora ainda não soubéssemos a gravidade da situação. Agora sabemos e somos gratos por sua coragem em compartilhar suas histórias e nos permitir abraçá-las com aceitação e amor. Desejamos a eles sucesso, alegria e paz.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.