FÉ E ELEIÇÕES

Deus não tem Título de Eleitor – Por pastor Zé Barbosa Jr

Deus não escolheu Bolsonaro, Lula ou nenhum outro candidato. Somos nós quem fazemos essas escolhas, por conta dos desejos que temos para o Brasil

TSE (Reprodução).Créditos: Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

“- Extra! Extra! O TSEC (Tribunal Superior Eleitoral Celestial) acaba de informar, para a decepção de muitos, que o senhor Jeová Deus, o jovem Jesus Cristo e o senhor (ou senhora, dependendo da percepção) Espírito Santo/Ruah não possuem o Título Eleitoral, estando, portanto, proibidos de votarem e serem votados nas próximas eleições. A decisão cabe para qualquer outro TSE, mesmo fora da jurisdição celestial.”

Dada essa “notícia” em primeira mão, penso que chegou a hora de amadurecermos o debate político entre os religiosos. Já passou do tempo de “assumirmos o B.O.”, de abraçarmos a responsabilidade e a coragem de dizer que não há nenhum candidato “escolhido de Deus”. Nem do lado de lá, nem do lado de cá. Porque simplesmente Deus não vota. A responsabilidade da escolha é nossa. E só nossa.

O mito da escolha divina dos mandatários tem, pelo menos, dois motivos essenciais: a manutenção da alienação total que me alivia de qualquer busca de conhecimento político, privilegiando a ignorância e a “isenção” e, a meu ver o pior motivo, a “inculpabilidade” caso tudo dê errado, o que gera uma nação irresponsável politicamente e freudianamente acusadora “do outro” caso dê errado, colocando (em último caso) no colo de Deus as misérias e barbáries do mundo, com discursos do tipo “Deus tem um propósito” ou os apocalípticos do tipo “Jesus está voltando!”. Nada de responsabilidade política e social. Tudo de “propósitos divinos” diante das tragédias.

Não! Deus não tem um propósito na fome mundial, por exemplo. A fome é fruto da desigualdade, da ganância humana. Jesus não está voltando por conta da guerra na Ucrânia. O que há ali são nações poderosas lutando por espaços políticos de poder, e muita, muita grana envolvida. Precisamos amadurecer no discurso e na prática.

E nas eleições brasileiras não pode ser diferente. Deus não escolheu Bolsonaro, Lula ou nenhum outro candidato. Somos nós quem fazemos essas escolhas, por conta dos desejos que temos para o Brasil.

Quem, por exemplo, quer um Brasil violento, a perpetuação do machismo, da homofobia, da violência contra as minorias, do “direito” de andar armado, de uma política que destrua as riquezas naturais em nome de um capitalismo selvagem e assassino, de um viver cada vez mais anticientífico e baseado em mentiras e invencionices, de uma política que exclua cada vez mais pobres, negros, mulheres, indígenas, quilombolas, LGBTQIA+ e outros, já tem seu candidato. E isso não tem nada de “divino”. Talvez até passe pela sua percepção religiosa também violenta, machista, excludente e preconceituosa, mas que assumam isso: Bolsonaro “é eles”! Ele representa exatamente o que eles querem e sonham: um país/igreja não laico e submetido à interpretação deles do que chamam de “consciência cristã”.

De outro lado (não adianta negarmos a polarização – até porque a “terceira via” é tudo o que está no parágrafo anterior, mas com ares de “empreendedorismo” e discursos “meritocráticos”) há quem sonhe com um país mais justo, igualitário, onde todas e todos sejam respeitados e tenham direitos e acessos garantidos. Onde mulheres, negras e negros, indígenas, pessoas das mais variadas orientações de gênero e sexualidade sejam plenamente abraçadas como cidadãos plenos de seus direitos. E talvez também isso passe pela percepção religiosa de muitos, abraçadas ao sonho de uma utopia a que chamam “Reino de Deus”. Mas que fique nítido de uma vez por todas: tudo isso é uma escolha humana.

Deus não mandou recados orientando votos neste ou naquele candidato. E nem mesmo escolhe seus representantes. Deus não me escolheu para defender Lula, assim como não escolheu Malafaia para defender Bolsonaro, por exemplo. Minha escolha por Lula é atravessada também pela minha fé, mas acompanhada de toda essa vivência e percepção das mazelas humanas que enfrentamos no Brasil. Como Malafaia (aqui como fato e como exemplo – poderia ser Macedo, Valandro, Valadões, etc) escolhe Bolsonaro exatamente por sua percepção de fé, mercantilista, abusadora e dominadora e por seus projetos de poder. Simples assim. Neste caso (e em muitos outros) assumamos nossa responsabilidade e nossa percepção (se equivocada ou não, o tempo e os resultados dirão) do Sagrado. Sem envolvê-lo (o Sagrado) como elemento direto da escolha.

E, no mais, que a gente tenha a coragem de bater no peito e dizer: “Eu fiz essa escolha”, sem atribuir a Deus nenhuma responsabilidade que não seja dEle e, muito menos, fazendo de seu Nome “cabo eleitoral” de quem quer que seja. Deus não tem Título de Eleitor. Eu e você temos, além de cérebro e coração. Usemos, portanto, ambos. Não é pecado pensar. Não é pecado escolher um candidato (que nem “deus” nem pastor/padre algum escolha por você). Não só não é pecado, como é sua, E SOMENTE SUA, essa responsabilidade!

O que semearmos nas urnas, colheremos na vida!

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.