MARIA MARIA

“Maria Maria”, uma certa magia que Bolsonaro nunca vai se apropriar

A banda do Exército tocou a canção de Milton Nascimento e Fernando Brant para o presidente e uma dúzia de mulheres brancas

O Balé Maria Maria com o Grupo Corpo.Créditos: José Luiz Pederneiras/Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

Manhã de terça-feira, 8 de março de 2022, Dia Internacional da Mulher. A banda do Exército, inadvertidamente ou não, executa para o presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michele Bolsonaro, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e mais uma dúzia de mulheres brancas a canção “Maria Maria”, de Milton Nascimento e Fernando Brant.

Uma cena simples que não chamaria a atenção de ninguém não fosse, por um lado o que representa a canção e, por outro, o governo Bolsonaro. “Maria Maria” foi composta e entrou na trilha do balé homônimo, que estreou com o Grupo Corpo, de Belo Horizonte, em 1976.

O espetáculo era um primor, lindo do começo ao fim e repleto de canções que sobreviveram a ele como “Maria solidária”, “Caxangá” e “Raça” e projetou o Grupo Corpo para o mundo. Com coreografia de Oscar Araiz, o balé conta a trajetória de Maria, uma mulher do povo, desde o momento em que nasce e vai percorrendo sua trajetória. Sua infância pobre, a juventude, o casamento, os filhos, a viuvez, até o fim de sua vida.

Cada minuto, tanto da trilha sonora, que pode ser encontrada no álbum duplo “Maria Maria e Último Trem”, quanto da coreografia, discorre sobre uma personagem fundamental para a formação cultural do Brasil. Não seríamos o que nos transformamos enquanto nação não fossem as Marias Marias.

Trilha do Basil moderno

As canções de Milton e Brant, particularmente a que dá nome ao espetáculo, se tornaram trilhas irreversíveis de um país moderno e amplo que acerta suas contas com a sua ancestralidade.

Ver e ouvir a Banda do Exército executar a canção para o presidente e várias mulheres brancas na sua residência oficial, em um país de ampla maioria negra é, no entanto, só o começo da ironia. Bolsonaro, como já é dito e sabido, mede os negros em arrobas e considera sua filha mais nova uma “fraquejada”.

Por mais que todas as declarações tenham sido feitas em tom de piada, elas permeiam seu governo com seus auxiliares desde sempre. Há uma distância abissal entre este governo e a música de Milton Nascimento. “Maria Maria” foi gravada e regravada diversas vezes.

Elis em Montreux

A cantora Elis Regina a eternizou ao encher o país de orgulho e pertencimento quando a apresentou no Festival de Jazz de Montreux, em 1979. O canto de guerra do final da canção era um aviso ao mundo, e ali entre a entusiasmada plateia suíça, de que o Brasil começava a se libertar de uma ditadura militar e mostrava sua melhor face ao mundo.

A mesma ditadura que Bolsonaro e sua trupe sempre apoiaram e defenderam.

Há quem diga que as canções, após soltas no mundo, não têm dono. A verdade e a lealdade por trás delas, no entanto, são imutáveis. O ridículo da cerimônia de Bolsonaro em sua residência de passagem é diametralmente oposto ao significado da canção e suas inúmeras versões.

É um dom, uma certa magia que nenhum poder do mundo é capaz de absorver, reter e muito menos se apropriar.