CIRO E GREGÓRIO

O candidato, o humorista e as eleições – Por Chico Alencar

Em defesa do comportamento de Ciro, o desafiante, deve ser dito que Gregório é muito mais do que um simples comediante. Trata-se de um jovem que faz um jornalismo inteligente, em que mescla humor com política e informação

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Muito tem se falado sobre um debate de contornos inéditos na política brasileira ocorrido recentemente: o que pôs frente a frente o pré-candidato a presidente da República Ciro Gomes, do PDT, e o humorista Gregório Duvivier. Foi a primeira vez em que um aspirante ao mais alto cargo do País convocou alguém desse perfil para uma discussão pública.
Em defesa do comportamento de Ciro, o desafiante, deve ser dito que Gregório é muito mais do que um simples comediante. Trata-se de um jovem que faz um jornalismo inteligente, em que mescla humor com política e informação. E na semana anterior tinha dedicado uma hora de seu programa nas redes sociais para uma avaliação crítica – e bem-humorada – da trajetória e da candidatura de Ciro.
Essa avaliação já tinha motivado uma resposta de Ciro, também extensa, em suas redes sociais. Pelo visto, ela foi considerada insuficiente pelo candidato e seus marqueteiros.
Gregório tem uma audiência gigantesca nas redes sociais. Ela vai quase a um milhão de seguidores. Sua amplitude certamente foi o que motivou a proposta de um confronto, feita por Ciro. Afinal, nas pesquisas de intenção de voto, ele não chega a dois dígitos, apesar de já estar em sua segunda candidatura seguida a presidente e de ter ocupado vários cargos públicos importantes, seja no plano federal, seja em seu estado, o Ceará. 
Certamente, essa enorme audiência foi o que motivou o desafio a Gregório. No debate, Duvivier não questionou a legitimidade da candidatura de Ciro, nem afirmou que ela deveria ser retirada. Mas sugeriu que seus eleitores fizessem voto útil em Lula, o que foi apontado como a melhor forma de se contrapor a Bolsonaro.
Aparentemente o debate não atingiu os objetivos desejados por Ciro. Quase não foram tratadas propostas de governo, o que poderia trazer-lhe mais dividendos, até porque tem sugestões consistentes.
Mas ele preferiu apostar num antipetismo primário e ficou numa postura udenista, repetindo que Lula e o PT são ladrões. E mostrou-se irritadiço, não permitindo que o interlocutor falasse sem interrompê-lo seguidas vezes. 
O fato é que nem mesmo seus apoiadores sustentam com sinceridade que a iniciativa lhe trouxe dividendos políticos.
Pois bem, a essa altura ninguém tem dúvidas de que Jair Bolsonaro prepara uma virada de mesa caso perca a eleição – o que é o resultado mais provável.
Aliás, se tivesse tido o apoio do Exército, ele já teria dado um golpe de estado no dia 7 de setembro. Está evidente, também, que o pretexto que o presidente golpista usará para a não aceitação da derrota eleitoral é a denúncia de que as urnas eletrônicas não são confiáveis e a eleição foi fraudada. 
A partir dessa falsidade, Bolsonaro quer que os resultados da votação eletrônica sejam comparados com os de uma contagem manual de votos impressos. 
Não é difícil imaginar a confusão se isso acontecesse. O Judiciário, no entanto, malgrado algumas iniciativas ingênuas – como, por exemplo, convidar o Exército para atestar a confiabilidade das urnas, permitindo que ele se imiscua em atividades que não lhe dizem respeito – até agora não tem se dobrado aos ditames do capitão. Com poucas exceções, mesmo ministros conservadores não têm se deixado intimidar pelos arroubos autoritários do presidente.
Assim, é muito pouco provável que o desejo de Bolsonaro e seus amigos milicianos de que haja contagem manual de votos impressos se torne realidade.
Mas uma coisa é certa. O melhor antídoto contra qualquer virada de mesa é a vitória de Lula no primeiro turno. Isso porque qualquer tentativa de anulação das eleições terá contra si centenas de eleitos de Norte a Sul do País – governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais. Essa gente terá interesses claros – e legítimos – para ver reconhecidos os resultados da eleição e não embarcar numa aventura golpista de Bolsonaro. 
Já isso não aconteceria num segundo turno, quando os envolvidos seriam apenas dois. A julgar pelas pesquisas, Lula e Bolsonaro.
Por isso, a percepção de que uma decisão no primeiro turno reduzirá muito as chances de golpe influirá na tomada de decisões do eleitorado. 
A tendência, então, é que a candidatura de Ciro – cuja legitimidade está acima de qualquer dúvida – desidrate até a eleição. É de se supor que um número crescente de eleitores acabe fazendo o chamado “voto útil” e optando pelo candidato de oposição a Bolsonaro com chances de decidir a parada já no dia 2 de outubro.
Que isso reduziria muito as possibilidades de golpe é algo acima de qualquer dúvida.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.