REFORMA AGRÁRIA

Novo governo, nova questão da terra – Por João Vicente Goulart

Sem esquecer a questão fundiária, a produção de alimentos e a grilagem, temos de estar atentos para não esquecer a reforma agrária, na paz e na lei

Valorização da terra.Créditos: Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

Pouco se tem visto, de forma clara e transparente, nos vários programas dos candidatos presidenciais, a questão da terra, da reforma agrária, da questão fundiária e da produção de alimentos no Brasil.

Como é politicamente uma questão altamente sensível, até se entende que mesmo os partidos mais progressistas resistam em aprofundar mais o debate neste momento eleitoral, principalmente escamoteando e/ou falando superficialmente sobre o tema. Algumas vezes até não tocando em suas propostas sobre esta questão, que é, sem dúvida, uma das grandes alavancas do desenvolvimento nacional.

As demarcações dos limites territoriais dos povos indígenas, quilombolas e das terras dos estados e da União estão relevadas a zero prioridade do governo federal, com ações paralisadas, até que a “boiada passe”, de forma irreversível.

O atual governo primou nos últimos quatro anos por desenvolver várias ações que paralisaram a implementação de uma política agrária, com argumento de impedir a violência no campo.

Priorizou as exportações do grande agronegócio da monocultura, enquanto a escassez de alimentos básicos faz com que estes se tornem cada vez mais inatingíveis pelos preços inflacionados, inacessíveis e caros à grande massa de necessitados brasileiros que passam fome e estão gravemente afetados com a insegurança alimentar. (Quase cem milhões de brasileiros).

Na prática, este desgoverno Bolsonaro desmontou quase que totalmente o órgão que deveria ser o agente promotor, ou seja, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O atual governo também desenvolveu ações criminalizando os movimentos sociais e estimulando a criação e atuação de verdadeiras milícias armadas para perseguir e assassinar lideranças do campo, produzindo verdadeiros massacres nas áreas rurais e griladas por estes acéfalas.

Estimulou sistematicamente a grilagem de terras, especialmente na região amazônica, propondo uma regularização fundiária por “autodeclaração”, que foi rejeitada pelo Congresso Nacional, e ficou conhecia, nefastamente, como “MP da Grilagem”;

O reconhecimento das áreas de quilombos não foi enfrentado. Ao contrário, foi ridicularizada pelo próprio presidente da Fundação Palmares, um traidor da matriz africana de nosso povo. Com isso, ficou sem condições de reconhecimento antropológico e sem demarcação, atividade atribuída ao Incra.

Este mesmo governo abandonou uma questão crucial para as comunidades indígenas, ao deixar de adotar providências para a proteção de suas áreas, escondendo-se e amparando-se na judicialização do problema ainda pendente de solução.

A invasão descontrolada destas áreas indígenas por pescadores, madeireiros, garimpeiros, está assassinando os últimos e corajosos defensores da floresta, como recentemente presenciamos a morte e o esquartejamento de Bruno Pereira e Dom Phillips.

Por último, podemos dizer que o governo deixa, propositalmente, de cumprir a Constituição de 1988, ao deixar de enfrentar os imóveis rurais que não cumprem a sua função social, sem preservar o meio ambiente e sem favorecer o bem-estar de seus moradores e proprietários, como determinam os artigos 184 e 186 de nossa Lei Maior.

Mesmo observando o documento chamado “Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil”, que é uma construção inicial de bases para um futuro governo da coligação PT, PV, PCdoB, PSB, PSOL, Rede e Solidariedade, vemos através e a partir do seu item 65, onde diz: “Estamos comprometidos com a soberania alimentar, por meio de um novo modelo de ocupação e uso da terra urbana e rural, com reforma agrária e agroecológica, com a construção de sistemas alimentares sustentáveis, incluindo a produção e consumo de alimentos saudáveis”, e posteriormente no artigo 67, vemos: “A Embrapa será fortalecida para identificar potencialidades dos agricultores e assegurar mais avanços tecnológicos no campo, essenciais para a competitividade e sustentabilidade tanto dos pequenos quanto dos grandes produtores”.

E o Incra, ficou de fora?

Como agiremos nos latifúndios improdutivos?

Como ficarão as terras griladas e devastadas das áreas indígenas?

E os quilombos ainda não titulados?

Diante desse quadro patético da questão fundiária no nosso país não podemos nos omitir, mesmo na campanha eleitoral, mesmo que não queiramos ferir susceptibilidades, mesmo que tenhamos um agronegócio produtivo, mas ecologicamente insustentável na monocultura de exportação, que está se tornando uma ameaça ao nosso ecossistema.

A luta pela reforma agrária é, no Brasil, uma luta de mais de meio século, na qual nosso solo foi regado a sangue, golpes e mentiras dos regimes golpistas, dos governos das sombras, do totalitarismo que considera a terra como um valor de ativo financeiro, e não como desenvolvimento social e econômico para exterminar a fome e o subdesenvolvimento da insegurança alimentar.

Os golpistas de 1964 usaram este tema como um dos principais argumentos para agredir a democracia brasileira e golpear o legítimo governo do presidente João Goulart, implantando uma ditadura que entregou o país às forças mais obscurantistas da sociedade, estendendo 21 anos de quebra da soberania popular e democrática.

Esta força de união eleitoral que apoia Lula na reconstrução nacional necessita, urgentemente, se posicionar mais claramente sobre a questão da reforma agrária e agrícola a ser retomada em novo governo.

Precisamos de um plano emergencial de uma reforma agrária democrática e de acordo com os ditames da Constituição Federal para o governo do presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, com preliminares claras do que temos a fazer, como:

A imediata reorganização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra);

Desmobilizar ou reorganizar a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários da estrutura do Ministério da Agricultura, criada neste governo, e cuja atuação cria uma duplicidade de ações que prejudica o desenvolvimento das atividades do setor;

Promover o levantamento dos acampamentos existentes antes e depois de 2018 e as áreas ocupadas por pequenos agricultores há muitos anos, sem uma providência do Estado;

Recadastrar, urgentemente, os imóveis rurais da Amazônia Legal, a fim de compatibilizar as declarações dos proprietários, posseiros, grileiros e ocupantes das terras públicas, com o Cadastro de Imóveis Rurais, do Georreferenciamento, do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e com o cadastro da Receita Federal;

Capacitar nossos agricultores familiares para a verdadeira produção dos alimentos da nossa mesa, por meio da Metodologia de Capacitação Massiva.

Enfim, temos que retomar seriamente o debate da reforma agrária e agrícola, não na marra ou na violência, mas na lei e no direito constitucional, para termos nela uma grande opção de desenvolvimento econômico e combate à fome.

*Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Fórum.