TEMPOS SINISTROS

Polícia Rodoviária Federal: A nova tropa de choque da necropolítica – Por Chico Alencar

Na semana passada, poucas horas separaram uma tragédia de outra. Ambas, porém, são reveladoras dos tempos em que vivemos.

Créditos: Reprodução/Polícia Federal
Escrito en OPINIÃO el

Na semana passada, poucas horas separaram uma tragédia de outra. Ambas, porém, são reveladoras dos tempos em que vivemos.

Deságua o Rio em Sergipe: um banho de sangue na Vila Cruzeiro, Zona Norte da capital fluminense; um assassinato com requintes de crueldade em Umbaúba, interior de Sergipe.

Nos dois casos, a violência brutal, praticada por agentes do Estado, ultrapassou todos os limites do aceitável.

Genivaldo era de Jesus e dos Santos. Filho de Deus, padeceu seu martírio nas garras da Polícia Rodoviária Federal. Detido por motivo fútil, imobilizado e algemado, foi jogado na caçapa fechada de um camburão, onde os agentes lançaram uma bomba de gás lacrimogêneo.

Paralisados pelo medo, conhecidos e vizinhos assistiram à barbárie e ouviram seus gritos e filmaram os estertores de sua agonia.

Seu delito? Pilotar uma moto sem usar capacete, a exemplo, aliás do que faz a todo momento o presidente Jair Bolsonaro.

No calvário da Vila Cruzeiro, a operação conjunta da PRF com a Polícia Militar resultou em, pelo menos, 23 mortos. Corpos estraçalhados, retirados em caçambas de caminhonetes, formavam cenas do teatro macabro que ensanguenta o Rio de Janeiro e começa a se tornar corriqueiro.

Nos últimos 12 meses, dezenas de chacinas com um total de centenas de mortos configuram uma verdadeira política de extermínio. As vítimas foram, invariavelmente, pobres, gente considerada carne de segunda pelos adeptos do bolsonarismo.

O jurista Silvio Almeida, em artigo contundente (“Folha de S. Paulo” - 27/5), pôs o dedo na ferida: “Se alguém tinha alguma dúvida sobre o que é necropolítica, eis dois exemplos genuinamente brasileiros”.

Nos casos citados, um fato chama a atenção: a participação ativa da PRF nos atos de barbárie.

Nas origens, ela era uma instituição bem vista pela cidadania. Sua função principal era garantir a segurança nas estradas.

Nos últimos anos, nestes tempos de “homus bolsonarus”, foi se modificando. Na era Bolsonaro, está sendo progressivamente deslocada para operações de natureza ostensiva, abertamente repressivas.

Isso, quando não participa como coadjuvante em atos políticos (e de cunho eleitoral) do presidente. No comício em que o general Pazuello – aquele mesmo que, sem qualquer qualificação, ocupou o Ministério da Saúde - rasgou o regulamento do Exército, os helicópteros da PRF sobrevoaram o Aterro do Flamengo, muito distante de qualquer estrada federal.

A PRF já tinha estado numa chacina, na mesma Vila Cruzeiro, em fevereiro de 2022, que teve como resultado oito mortos. Em outubro de 2021, em ação conjunta com a PM de Minas, foram 25 os mortos. São casos que expõem a guinada na atuação da corporação.

O assassinato de Genivaldo ajudou a chamar a atenção para essa transformação da PRF. Com a repercussão desse crime, cujas imagens correram o mundo, surgiu nas redes sociais um vídeo em que um agente da corporação, Ronaldo Bandeira, descreve, dando risadas, a prática de tortura ao ministrar aula para candidatos em concursos para carreiras policiais. Nas imagens, ele conta como deixou “mansinho” um preso na caçapa de uma viatura, sufocado por spray de pimenta e gás lacrimogêneo.

O método é o mesmo que matou Genivaldo Santos.

O gosto pela brutalidade repressiva revela feição nova. Antes, uma polícia de proximidade com o cidadão, sintonizada com o processo civilizatório, a PRF está se tornando mais um instrumento da necropolítica, sintonizado com o retrocesso protofascista.

Vale lembrar o alerta de Primo Levi (1919-1987), que viveu o horror do campo de concentração, “cada época tem o seu fascismo”. E o de Bertold Brecht: “a cadela do fascismo está sempre no cio”.

Olho vivo, pois.

PS – Em boa hora, o Ministério Público Federal ingressou, na terça-feira desta semana, com uma ação civil pública com pedido de limitar para que a PRF não seja autorizada a atuar fora do território geográfico das rodovias e estradas federais.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.