DESENVOLVIMENTO

As ideologias contrárias ao desenvolvimentismo do novo governo

Os cortes de gastos em educação, ciência e tecnologia não se dão porque as universidades são um antro de esquerdistas; Esta é apenas a retórica fantástica usada pela extrema-direita para alimentar o projeto neoliberal que visa tirar o protagonismo do Estado no crescimento econômico do país

O presidente Lula com a ministra Luciana Santos, da Ciência e Tecnologia.As ideologias contrárias ao desenvolvimentismo do novo governo - Por Raphael Silva FagundesCréditos: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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“Nos últimos quatro anos, o MEC teve 20% de suas verbas cortadas e o Ministério de Ciência e Tecnologia, 44%. Os dados foram tabulados pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), um núcleo de pesquisa ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)”.[1]

Os cortes de gastos em educação, ciência e tecnologia não se dão porque as universidades são um antro de esquerdistas. Esta é apenas a retórica fantástica usada pela extrema direita para alimentar o projeto neoliberal que visa tirar o protagonismo do Estado no crescimento econômico do país.

O Estado foi o grande promotor do crescimento econômico em vários países desenvolvidos. Principalmente no setor de inovação. As empresas do Vale do Silício, a economia verde, as indústrias de biotecnologia, energia nuclear, internet, aviação etc., todos estes setores tiveram um forte investimento estatal.

Se não fosse esses investimentos o capitalismo não iria se desenvolver e se tornar uma força dinâmica. Uma nova tecnologia surge para acelerar a produtividade e ampliar o acesso ao consumo. À medida que a tecnologia anterior se torna ultrapassada eliminando postos de trabalho, outros surgem, inovando e dinamizando a economia e o desenvolvimento humano. É o que o economista austríaco, Joseph Schumpeter, chamou de “destruição criativa”.

Por que o protagonismo do Estado?

Segundo a economista Mariana Mazzucato, o Estado é o único capaz de assumir riscos que as empresas privadas não querem assumir. Milhões podem ser gastos em pesquisas, mas o processo de transição para a comercialização pode não ser bem sucedido.

Mas os experimentos que dão certo, como vários citados acima, são comprados pelo setor privado depois que o Estado investiu em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Isso aconteceu com o iphone, GPS, telas sensíveis ao toque e até mesmo os aparelhos recentes de comando de voz.[2]

Sem o investimento nas universidades públicas, em ciência e tecnologia, o Brasil fica fora dessa dinâmica capitalista. Os investidores particulares deixam o Brasil e apenas uma burguesia voltada para o varejo (Riachuelo, Havan etc.) é beneficiada, o que leva ao financiamento da mesma ao governo Bolsonaro.

O objetivo do governo anterior era tornar o Brasil completamente dependente da tecnologia estrangeira. Educação e saúde foram os principais alvos do governo Bolsonaro. A educação foi atacada através da retórica de que ela só serve para “formar militantes políticos” e a saúde, por sua vez, foi degradada em plena pandemia sobre a qual o presidente negou a importância da ciência para a resolução do problema.

O governo Lula terá que tirar a fumaça ideológica sobre esses setores para poder trazer à luz a relevância que a ciência e a tecnologia significam: o caminho para o desenvolvimento. O crescimento puxado pela tecnologia envolve um investimento massivo na educação. É como explica Mazzucato, “não há uma única tecnologia significativa por trás do iPhone que não tenha sido financiada pelo Estado". As “grandes empresas farmacêuticas [por exemplo] estão entre os maiores beneficiários das pesquisas financiadas com recursos públicos”.[3]

É uma grande farsa o que defendem alguns comentaristas de tecnologia entusiastas da ideologia neoliberal. Alguns chegam a ser tão ridículos ao dizer que as demissões em massa das big techs é algo bom, pois os engenheiros ficam desempregados, sem nada pra fazer, e daí, em suas garagens, inventam novas tecnologias. Acreditam até que a década de 2020 será marcada por um boom da inovação por conta dessas demissões.[4]

Isso é uma falácia ideológica descarada. Os investimentos radicais em tecnologia, “não aconteceram graças a investidores capitalistas ou ‘gênios de fundo de quintal'", explica Mazzucato.[5] É uma hipocrisia financiada pelos líderes industriais que “exigiam a intervenção governamental, em particular, ao mesmo tempo em que declaravam publicamente seu apoio ao livre mercado".[6] Na verdade o que acontece é que esses empresários (Steve Jobs, por exemplo) apoiam (pagam impostos com essa finalidade) os investimentos estatais em áreas de risco para depois capitalizar (comprando patentes) as invenções que deram certo. O investimento estatal deve servir a eles e não a população. Isso também é um ataque antidemocrático.

Ou seja, o governo Lula não deve apenas enfrentar a retórica da extrema direita, mas também a retórica altamente demagógica da direita neoliberal que defende algo no discurso, mas, na prática, lucra com o investimento estatal.

Será uma tarefa hercúlea. Ricardo Galvão, presidente do CNPq, o ministro da Educação, Camilo Santana, e Luciana Santos, ministra de Ciência e Tecnologia, terão não apenas que ampliar a política de investimento em ciência e tecnologia, como também desenvolver uma política cultural de valorização destes setores para o crescimento econômico do país. A democratização da ciência é contrária à apropriação dos resultados científicos para o setor financeiro. Caso isso não seja feito, será muito difícil combater as duas frentes contrárias ao maior fomentador da inovação tecnológica, indispensável para o desenvolvimento: o Estado.

Notas:

[1] https://www.google.com/amp/s/jc.ne10.uol.com.br/colunas/enem-e-educacao/2022/12/amp/15138129-governo-atual-e-o-que-mais-cortou-em-recursos-de-educacao-e-ciencia.html

[2] MAZZUCATO, M. O Estado empreendedor. São Paulo: Portifolio-Peguin, 2014, 26.

[3] Id, p. 43.

[4] Ver entrevista de Natuza Nery com Pedro Doria em 6 de janeiro de 2023 no podcast O Assunto.

[5] MAZZUCATO, p. 26.

[6] Id., p. 104.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.