JORNALISMO

Por que atacam a Fórum, as mídias progressistas e os que nelas trabalham?

A mídia progressista e os jornalistas que nela trabalham são de esquerda. A mídia que nos ataca, os jornalistas do comando dessas redações e aqueles que defendem seus patrões/chefes são de direita ou extrema direita. É simples assim. É disso que se trata e nada mais

Escrito en OPINIÃO el

Um grupo de jornalistas que se intitulam “profissionais” sob a liderança do Estado de S.Paulo e congêneres resolveu atacar a Fórum, as mídias progressistas como um todo e os jornalistas que nelas trabalham. 

Como tudo começou?

Até 13 de novembro, a Fórum vinha publicando reportagens sobre a presença de Luciane Barbosa Farias em audiências no Ministério da Justiça com questionamentos, vamos dizer, leves à cobertura de O Estadão, que vinha qualificando-a como líder do Comando Vermelho e garantindo ser ela conhecida como “dama do tráfico”. Esta reportagem de 13 de novembro é um exemplo: Flávio Dino rebate Estadão sobre visita de suposta líder do Comando Vermelho.

Até que, em 16 de novembro, a jornalista Cynara Menezes, da Fórum, descobriu que a expressão “dama do tráfico” havia sido uma invenção do Estadão, conforme confissão do próprio repórter que lançou a alcunha: Jornalista do Estadão admite que "dama do tráfico" não é apelido de esposa de traficante. Registre-se que o jornalista Leandro Demori, do ICL, havia, na véspera, apontado inconsistências graves na apuração do Estadão e começou a ser atacado por isso.

No dia 18, a Fórum publicou um furo: Exclusivo: Denúncia ao MPT-DF relata armação de Estadão no caso "Dama do Tráfico" - Andreza Matais, editora de política do Estadão, é denunciada ao MPT-DF por ter agido de má-fé e com assédio moral em matéria contra ministro Flávio Dino; ela nega.

A partir daí começou a guerra, que se tornou ainda mais virulenta depois que o Brasil 247 reportou nova denúncia no MPT contra a cúpula do Estadão, no dia 21: Jornalistas do Estadão pedem socorro contra o assédio moral que sofrem de Andreza Matais.

A campanha do Estadão foi secundado pela Folha e um punhado particular de jornalistas. Os alvos foram a Fórum, Leandro Demori e a mídia progressista em geral. Repisaram velhos argumentos utilizados por estes veículos e os líderes/sabujos do Estadão, Folha, O Globo, Jovem Pan et caterva: 1) que o jornalismo brasileiro estaria dividido entre “jornalismo profissional” e “jornalismo militante” (nós); 2) que a mídia progressista é “simpática” ou uma mera correia de transmissão dos governos do PT. 

O Estadão publicou editoriais furibundos, com apoio da Folha, contra o governo e especialmente contra a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, que denunciou toda a armação. Investiram, todos eles, contra a Fórum e a mídia progressista. O Estadão fez questão de se autointitular em um de seus editoriais como um dos bastiões da democracia e os jornalistas que entraram na onda falaram de maneira mais ou menos explícita de seu orgulho por trabalharem nesses veículos e não na mídia progressista. O Globo não entrou na campanha, mas pelo menos dois jornalistas dos seus quadros assumiram a linha de frente dos ataques à mídia progressista

Sobre história

Como a história ajuda a elucidar! Nem o Estadão nem a Folha nem os jornalistas que saíram em defesa de seus chefes e patrões gostam de ser lembrados, mas é sempre bom refrescar a memória.

Antes de mais nada, tanto O Estadão quanto a Folha e O Globo apoiaram de maneira entusiasmada o golpe militar em 1964. O mesmo entusiasmo dos três veículos verificou-se na operação Lava Jato e no golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Com graus variados de entusiasmo, apoiaram Jair Bolsonaro contra Fernando Haddad em 2018.

Os três veículos têm uma longa lista de serviços prestados contra a democracia.

Os proprietários de O Estadão e os jornalistas que agora dirigem o veículo buscam esconder a todo custo, mas, em 1935, o jornal não poupava elogios a Hitler. Para que não se diga que foi febre passageira, em 1983 o então O Estado de S.Paulo publicou artigo no qual revelava seu inebriamento diante da figura de Mussolini.

A vocação do Estadão está sendo confirmada novamente, quando três de bilionários estão com um projeto em curso para criar um conglomerado midiático de extrema direita composto pelo veículo manquitola da Marginal Tietê em São Paulo, a Jovem Pan, também de pernas bambas e mais a Revista Oeste e o Brasil Paralelo.

Quanto à Folha, é documentada a cessão de veículos com os quais o jornal era distribuído para a Operação Bandeirante, a Oban, uma das iniciativas de sequestro, tortura e assassinatos de opositores à ditadura militar. Durante décadas os proprietários da Folha negaram o fato. Até que, no começo do século, reconheceram: “se a cessão de veículos ocorreu, foi de forma episódica e sem conhecimento nem autorização de sua direção”. O desconhecimento da direção é uma lorota, pois todos os que trabalhavam na Folha nos anos 1960/70/80 sabiam que a redação da extinta Folha da Tarde, da mesma empresa, foi por um longo período dominada por policiais em geral, em especial por agentes da repressão militar -leia, se quiser saber mais: Documentos indicam que aliança da Folha com a ditadura foi mais forte do que jornal admite

Quanto ao Globo, nem é preciso dizer, a ficha corrida das mídias do clã Marinho é fartamente conhecida. Vale recordar uma manchete de 1962, quando o jornal garantiu que a aprovação do 13° salário era um desastre para o país.

Desde a fundação de cada um dos três veículos, O Estadão (1875), Folha (1921) e O Globo (1925) eles compõe o trio de ferro da mídia de direita do país. E os jornalistas que nos acusam afirmam, alguns mais explicitamente, outros mais veladamente, seu orgulho por trabalhar e se alinharem editorialmente a tais veículos. No caso do pequeno grupo de jornalistas em campanha aberta, não é possível sequer dizer que sua postura deva-se ao temor da retaliação dos poderosos patrões ou chefes vingativos (alguns deles são os próprios chefes). Não. Todos eles, na história recente do jornalismo, apoiaram o golpe contra Dilma e foram agentes da Lava Jato, publicando as mentiras plantadas por Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e toda a quadrilha como se fossem furos sensacionais, exclusivos. 

Não por acaso: quem, na arena política, liderou o ataque à mídia progressista neste caso foi exatamente o ex-juiz e quase ex-senador Sérgio Moro, tratado por todo essa turma como verdadeiro herói nacional anos a fio.

Breno Altman

O jornalista Breno Altman, fundador do site e canal Opera Mundi, foi alvo em 22 de novembro de censura por iniciativa da Confederação Israelita do Brasil (Conib), a principal entidade sionista no país. Ele já havia sofrido ameaças de espancamento em grupos sionistas no Whatsapp. Sendo judeu, Breno tem se destacado na mídia brasileira ao denunciar o genocídio cometido na Faixa de Gaza e Cisjordânia e buscado informar sobre o caráter racista do regime de apartheid de Israel. 

Os mesmos veículos e jornalistas que “denunciam” as críticas às suas coberturas parciais e enviesadas e a histórias inventadas como a da “dama do tráfico” silenciam na perseguição e censura a Altman. Buscam inverter o sentido dos eventos e acusam o governo e as mídias progressistas de “censura” quando nunca houve qualquer tentativa de cercear a atividade de tais veículos ou seus jornalistas. Quando há um evento concreto de censura, silenciam. Pior: atacam Breno Altman.

Sobre trajetórias e currículos

Acusam-nos estes jornalistas e seus patrões de sermos “não profissionais”, militantes e ativistas -e não verdadeiros jornalistas. A acusação é risível considerando a militância recente de todos eles para derrubar Dilma e como lavajatistas empedernidos.

Não sei se são ignorantes ou agem de má-fé. Mas a mídia progressista reúne alguns dos nomes mais consagrados do jornalismo contemporâneo e muitos de nós trabalhamos nas mídias conservadoras em outros tempos -com uma postura a léguas de distância da deles. Nunca fomos aduladores. Muitos de nós fomos egressos das fileiras da luta estudantil contra a ditadura militar -alguns dos mais velhos, sofreram na pele e na alma as torturas nos porões da ditadura. Muitos das gerações mais jovens e que hoje integram as redações e estúdios da mídia progressista participaram, além do movimento estudantil, de movimentos sociais como o movimento negro ou feminista. 

Eu, por exemplo, trabalhei na Folha de S.Paulo entre 1986 e 1991, quando saí na condição de editor chefe da coluna Painel.  

Menciono jornalistas com uma lista infindável de reportagens históricas, prêmios, trajetórias de coerência e que nunca se dobraram -inevitavelmente irei esquecer de alguns ou algumas, pelo que desde já penitencio-me. Na lista, apenas aqueles acima dos 50 anos de idade, mas informo que há um multidão de centenas e centenas de jornalistas maduros e jovens de grande talento em todas as redações: Luís Nassif, Luiz Carlos Azenha, Tereza Cruvinel, Jamil Chade, Rodrigo Vianna, Cláudia Antunes, Paulo Moreira Leite, Cynara Menezes, Elaíze Farias, Juca Kfouri, Renato Aroeira, Leandro Fortes, Xico Sá, Regina Zappa, Mino Carta, Breno Altman, Luís Costa Pinto, Helena Chagas, Chico Pinheiro, Vasconcelos Quadros, Ana Paula Sousa, Julinho Bittencourt, Marina Amaral, Marco Weissheimer, Heloisa Vilela, Joel Santos Guimarães, Rubens Valente, Paulo Moreira Leite, Lucas Vasques, Cristina Serra, Carlos Drummond, Miguel Paiva, Kátia Brasil, Sergio Lirio, Laura Capriglione, Florestan Fernandes Júnior, Maria Frô, Mario Vitor Santos, Eliane Brum, Antonio Martins, Hildegard Angel, Alex Solnik, Denise Assis, Marcelo Auler, Iara Vidal, Moisés Mendes, Verônica Goyzueta, Maurício Dias, Carlos Latuff. Mais uma vez, desculpo-me por alguma omissão na lista dos 50+ acima. 

É um grupo notável. Ao contrário do que insinuam os jornalistas a serviço de seus chefes nas mídias conservadoras, todos recebem salários -como eles igualmente o recebem.

Finalmente, cumpre observar que a campanha contra as mídias progressistas é conduzida por parte das mídias conservadoras e uns jornalistas. A imensa maioria dos profissionais que trabalham nesses veículos são, como nós, trabalhadores que alugam sua força de trabalho e mantêm sua dignidade. 

O que de verdade nos diferencia

A mídia brasileira não é dividida como quer fazer crer a campanha em curso contra as mídias progressistas entre veículos e jornalistas “profissionais” e “não profissionais”.

A mídia progressista e os jornalistas que nela trabalham são de esquerda. A mídia que nos ataca, ao lado dos jornalistas do comando dessas redações e daqueles que defendem seus patrões/chefes são de direita ou extrema direita. É simples assim. É disso que se trata e nada mais.