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O ato bolsonarista: um fascismo em “crise de identidade” ou uma ação estratégica? - Mauro Lopes

Do ponto de vista da construção discursiva do fascismo, o que vimos no domingo (25/2) foi uma crise de identidade. O fascismo é estruturalmente agressivo, ofensivo, vive do confronto, alimenta-se do ódio aos inimigos. No carro de som, Bolsonaro fugiu ao figurino

Bolsonaro e Malafaia no ato na Paulista.Créditos: Reprodução
Escrito en OPINIÃO el

O bolsonarismo mais uma vez mostrou capacidade de mobilização. As avaliações que buscam ridicularizar ou menosprezar o ato da avenida Paulista, divulgando teses “lacradoras” de que ele teria “flopado” podem causar algum furor em segmentos da esquerda, mas não dão conta do que aconteceu. A propósito, o menosprezo à extrema direita tem sido um dos erros mais custosos dos últimos anos. 

Não estavam lá os 700 mil prometidos pelos líderes bolsonaristas, a estimativa de 750 mil da PM de São Paulo é a projeção de uma força rendida e subordinada ao bolso-milicianismo sob comando do tal capitão Derrite. Mas os números da USP, que colocam o ato na esfera dos 185-200 mil presentes, parecem bem próximos da realidade.

E se fosse um milhão? Bom, aí o país teria acordado com uma crise político institucional de enorme magnitude. Não acordou. Menos mal. 

Mas a esquerda precisa acordar da ilusão de considerar que o juiz-xerife Alexandre de Moraes resolverá tudo, como advertiu Gilberto Maringoni em artigo a quente aqui na Fórum. Se Bolsonaro terceirizou na Paulista para o pastor Malafaia os ataques ao STF, a esquerda terceirizou para Alexandre de Moraes a luta política.  

De qualquer forma, só analistas desavisados “descobriram” a capacidade de mobilização de Bolsonaro ou que ela é bem superior à da esquerda. Isso já era sabido e está na conta do jogo político nacional.

A interrogação é se a manifestação terá peso no cenário. 

Bolsonaro levou à Paulista o tema da anistia. Isso vai entrar no debate, será peça do jogo político-institucional no Congresso ou será algo marginal? É cedo para afirmações peremptórias. O arguto analista Jeferson Miola, no Fórum Café de segunda (26) pós-Paulista e aqui no portal da Fórum, apresenta uma análise instigante: “A bandeira da anistia será a 'grife' da extrema direita na eleição municipal. É uma medida que une e articula politicamente o bloco oposicionista num simulacro de luta democrática. A luta pela anistia terá centralidade política ainda maior para a ultradireita depois da prisão do Bolsonaro, e o bolsonarismo já se posicionou estrategicamente na conjuntura pós-prisão.”

Será a bandeira da anistia soldar novamente o eixo bolsonarismo-militares-Centrão? Se isso acontecer, o cenário político sofrerá uma profunda alteração.

Do ponto de vista da construção discursiva do fascismo, o que vimos no domingo foi uma crise de identidade. O fascismo é estruturalmente agressivo, ofensivo, vive do confronto, alimenta-se do ódio aos inimigos. No carro de som, Bolsonaro fugiu ao figurino. Baixou a bola, fugiu do confronto. Posou de “conciliador”, apelou pela paz, apelou por anistia, quase como uma reconciliação nacional. Ou seja, frustrou sua plateia, os milhares de fascistas-fundamentalistas-sionistas com sangue nos olhos que queriam ouvir xingamentos e promessas de virada de mesa. Foi visível o desânimo diante do discurso. Coube a Malafaia o discurso tipicamente fascista -o caráter fundamentalista da jornada ficou a cargo de Michelle Bolsonaro.

Se a estratégia da anistia vingar, poderá haver mexidas no cenário à frente. Se naufragar, o ato da Paulista terá sido uma preparação para o acampamento "Bolsonaro livre" quando ele for preso -terá sido então o ato pré-prisão. Adicionalmente, o gesto de um Bolsonaro temeroso, incapaz de mostrar as garras fascistas e ameaçar o país e a democracia novamente.

A manifestação, com suas quase 200 mil pessoas, apesar de grande, não mostrou pujança para parar o país e provocar o caos.