“Bonner e Renata Vasconcellos fizeram papel de polemistas”, diz cientista político

Na opinião de Leonardo Rossatto e de Rafael Moreira, ambos cientistas políticos, o comportamento dos apresentadores do 'Jornal Nacional', durante sabatina com os presidenciáveis, prejudicou o andamento das entrevistas

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A forma pela qual William Bonner e Renata Vasconcellos conduziram as entrevistas com quatro dos presidenciáveis, durante a semana, no "Jornal Nacional", da Rede Globo, provocou muita controvérsia, especialmente nas redes sociais. Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) foram sabatinados pelos jornalistas. A emissora deixou de fora o ex-presidente Lula (PT) e o seu vice Fernando Haddad. Agressivos com alguns candidatos, em outras oportunidades interrompendo uns muito mais do que outros, a dupla que comanda o telejornal provocou reações e reflexões por parte da população e, também, de especialistas. Leonardo Rossatto, cientista social, relaciona o desempenho dos candidatos no JN ao comportamento dos entrevistadores. “No geral, achei bem fraco, aquém do esperado. No entanto, as entrevistas acabaram se tornando muito travadas por conta da postura do William Bonner e da Renata Vasconcellos, pelas muitas interrupções. Isso acabou sendo, no caso de uma entrevista de 27 minutos, um grande problema, porque, na maioria das vezes, era possível perceber que os candidatos não se sentiam confortáveis e não conseguiam encerrar seus raciocínios adequadamente”, avalia Rossatto, formado pela Unicamp e especialista em Políticas Públicas. Para ele, William Bonner e Renata Vasconcellos fizeram um papel de polemistas, o que acabou tirando a fluidez das entrevistas, não deixando com que os candidatos, realmente, tivessem um desempenho bom. “Nenhum candidato foi bem. Todos tiveram momentos de embate, que acrescentaram menos do que poderiam em uma vitrine do tamanho do Jornal Nacional”, afirma. Rafael Moreira, doutorando e mestre em Ciência Política pela USP, com passagem pela Universitat Autónoma de Barcelona, se diz bastante crítico em relação ao desempenho dos entrevistadores. “O tempo de entrevista é bem curto e, por isso, a sabatina é intensa, com várias perguntas, vários temas a serem abordados. Muitas vezes eles pecaram em não dar espaço ao candidato para expor, de fato, o que está em seu plano de governo, e acabaram, em contrapartida, reafirmando a posição que os entrevistadores têm. Entendo que em alguns instantes é importante contra-argumentar, mas eles acabaram passando do tom e colocando muito mais as posições deles sobre os temas”. Interrupções Um fato também chamou a atenção na condução das entrevistas do JN: enquanto Ciro Gomes e Jair Bolsonaro foram interrompidos 34 e 36 vezes, respectivamente, pela dupla Bonner e Renata, Geraldo Alckmin sofreu com as intervenções dos apresentadores em apenas 17 oportunidades, e Marina, em 20. Na avaliação de Rafael Moreira, embora mais hipotética do que afirmativa, a estatística pode determinar uma candidatura na qual a emissora tenha concordância. “Há que se levar em conta que a Globo é uma empresa privada, sempre teve um candidato de preferência e isso se manifesta por meio das mais variadas formas, seja na sabatina do Jornal Nacional, seja pela definição das candidaturas que ela não vai cobrir no cotidiano, mostrando como foi o dia dos presidenciáveis. Tem uma frase muito interessante que eu sempre tenho em mente: ‘A imprensa não tem o poder de fazer a gente pensar como ela quer, mas tem o poder de fazer a gente pensar no que ela quer’. Então, por meio disso, a gente pode perceber quais são as candidaturas que, de fato, a Globo considera”, diz. Estratégias Rossatto também acredita que as estratégias pensadas por cada um dos candidatos para enfrentar a sabatina foram afetadas pela condução da dupla. “O Ciro tentou prosseguir com seu tom professoral, explicativo e, por isso mesmo, acabou sendo muito prejudicado pelo Bonner e pela Renata Vasconcellos. Ele tentou se esquivar rapidamente das questões relativas à corrupção. Quanto a Bolsonaro, a estratégia foi a do confronto, de tentar, em alguma medida, criar frases de efeito para que fossem espalhadas pelo WhatsApp, como é postura habitual na candidatura dele. Nesse sentido, o Bolsonaro acabou criando algumas grandes polêmicas, indo além do que determinam as regras, firmando essa posição de contestador junto a seu público mais fiel”. [caption id="attachment_139489" align="aligncenter" width="300"] Rossatto: “Todas as estratégias dos candidatos acabaram comprometidas pela postura do William Bonner e da Renata Vasconcellos" - Foto: Arquivo pessoal[/caption] Em relação ao candidato tucano, o cientista social tem uma definição curiosa: “O Alckmin é um reloginho, tem sempre o mesmo tom de voz, sempre a mesma postura e muita habilidade com as estatísticas. Acho que, principalmente na primeira parte da entrevista, ele acabou surpreendido por algumas posturas do Bonner e da Renata. Ele achou que a entrevista fosse mais palatável”. No que se refere ao desempenho de Marina Silva, Rossatto diz: “Ela teve bons insights, porém, também acabou sofrendo muito com os embates do William Bonner e da Renata Vasconcellos, o que por um lado, para ela, é até bom, porque não se intimidou, tentando mudar um pouco a imagem que muitos eleitores têm dela, de que é uma pessoa que não vai para o confronto. No entanto, acabou sendo uma entrevista tão ou mais travada do que as outras. Houve muita discussão sobre temas que talvez nem fossem os mais relevantes”, avalia. Ele reitera: “Todas as estratégias acabaram comprometidas pela postura do William Bonner e da Renata Vasconcellos. A impressão que dava o tempo todo é que o objetivo deles ali era tentar mostrar uma imagem de que todo o político é ruim, todo político tem falhas insanáveis, ao invés de deixá-los apresentar o que realmente eles pensam do país”. Influência Após todas essas análises, é importante refletir sobre em que medida as entrevistas do "Jornal Nacional" podem afetar e influenciar os eleitores e se têm condições de se traduzir em mudanças nas próximas pesquisas de intenções de votos. Rafael Moreira acredita que a avaliação deve ser feita sob pontos de vista distintos. “Uma parte do eleitorado, que já tem pré-disposição em votar em determinado candidato que está sendo sabatinado, vai reafirmar o que imaginava e não mudar seu voto. O mesmo acontece em relação aos debates. A gente sabe que o público, mais nos debates do que nas sabatinas, é bastante restrito e formado, sobretudo, por militantes, jornalistas, pessoas que acompanham a política no cotidiano. Isso muda um pouco na sabatina do Jornal Nacional, porque a audiência acaba sendo muito mais alta. Entretanto, ainda assim, o poder que uma sabatina dessas tem de mudar a intenção de voto, apesar de não ter como mensurar isso, a gente imagina que não seja tão alto”. [caption id="attachment_139490" align="alignnone" width="300"] Moreira: "Uma parte do eleitorado, que já tem pré-disposição em votar em um candidato, vai reafirmar o que imaginava" - Foto: Arquivo pessoal[/caption] Rossatto tem opinião semelhante: “A gente tem que pensar num viés de confirmação. O entusiasta do Bolsonaro e do Ciro vão confirmar isso. Os adeptos do Alckmin e da Marina, que são menos engajados, também vão tender a confirmar. Até mesmo o efeito sobre os indecisos, em função de o desempenho dos entrevistados ter sido aquém do esperado, também deve ser aquém do esperado. Nesse sentido, eu não creio que as entrevistas tenham tido grande efeito em atrair os votos dos indecisos. Eu não espero para os próximos dias grande alterações em pesquisas de intenções de votos baseadas nas entrevistas do Jornal Nacional”. Além disso, prossegue, há um perfil no Brasil bem definido: “A maioria dos eleitores acaba se decidindo, de fato, sobre em quem vai votar na semana da eleição. Por mais que algumas candidaturas estejam relativamente bem assentadas, esse fator é muito forte. Então, eu não creio que, devido ao mau desempenho dos candidatos no âmbito geral, pela estratégia de criar polêmicas do Bonner e da Renata, as entrevistas do Jornal Nacional vão trazer grandes mudanças no cenário eleitoral atual”. Indefinição Rossatto observa o cenário eleitoral ainda indefinido, apesar de estarmos a pouco mais de um mês do pleito. “A gente tem uma campanha abreviada e o que se pode observar é que nenhum candidato está realmente confortável. O Lula, que estaria mais confortável, tem um problema jurídico para resolver. E mesmo que a gente saiba que a prisão dele Lula tem um grau alto de arbitrariedade, não se sabe se o nome do Lula vai estar, de fato, na urna. Portanto, eu penso que nessa eleição todos os fatores serão decisivos a partir de agora, como o desempenho nas redes sociais, o horário eleitoral gratuito, entre outros”. O cientista social entende que, apesar das muitas candidaturas, o panorama se concentra na polarização. “O voto da direita está dividido entre Alckmin e Bolsonaro, hoje muito mais com Bolsonaro, e de forma residual com Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Novo) e Henrique Meirelles (MDB), sendo que Amoêdo e Meirelles têm os dois maiores investimentos da campanha e, por isso, tendem a pegar alguns votos a mais. E há o voto da esquerda que, basicamente, está entre Lula ou Haddad e Ciro Gomes, com algum voto residual para o Guilherme Boulos (PSOL). Além disso, tem a Marina Silva tentando transitar entre os dois campos, como uma candidata que é liberal, mais no campo econômico do que nos costumes”, acrescenta. Nesse sentido, para Rossatto, a eleição está completamente indefinida. “Os cinco candidatos viáveis – Lula, Bolsonaro, Ciro, Marina e Alckmin –, têm chances reais de passar para o segundo turno. Provavelmente Lula ou Haddad passará, porque o recall do Lula é muito grande. Agora, dentre os adversários é impossível prever. Talvez o que esteja em pior situação hoje, além do Ciro Gomes, por causa do recall do Lula, seja o Alckmin, porque ele está com muita dificuldade de pegar o voto do Bolsonaro”, completa.