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Fome não é resultado da pandemia, disparou após golpe de 2016, diz ex-ministra

“O Brasil desperdiçou políticas públicas prontas que podiam ter permitido não só evitar essa tragédia, como reagir a ela”, afirmou a economista Tereza Campello

A insegurança alimentar no país aumentou quatro vezes mais que a média mundial.Créditos: Agência Brasil/Reprodução/ND
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A economista Tereza Campello, ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, apontou os reais motivos para que a pobreza, a miséria e a insegurança alimentar no Brasil tenham aumentado significativamente e o país tenha voltado ao Mapa da Fome.

Ao contrário do que muitos analistas afirmam, incluindo o governo de Jair Bolsonaro (PL), para tentar fugir de sua responsabilidade, a disparada da fome no país não é consequência da pandemia de Covid-19.

“O conjunto dos estudos que tem saído recentemente comprovam aquilo que a gente já vinha alertando: o aumento da pobreza e da fome não é resultado da pandemia. A gente já tinha dados, inclusive do próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e depois do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, feito pelo IBGE e pelo Ministério da Saúde, mostrando o retorno do Brasil ao Mapa da Fome antes da pandemia. Em 2017 e 2018 esses dados são muito claros”, aponta Tereza, titular da cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da USP, em entrevista à Fórum.

Ela lembra que a campanha feita pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016, foi, de fato, um golpe, pois 2011 e 2014 foram os anos com menor registro de brasileiros em insegurança alimentar.

Tereza Campello denuncia falta de políticas públicas contra pobreza – Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A economista explica as razões para que o país esteja nessa situação desastrosa. “Isso aconteceu porque o Brasil abriu mão, desperdiçou inúmeras políticas públicas prontas e preparadas e que podiam ter permitido ao país não só evitar essa tragédia, como reagir a ela, como vários outros países fizeram. Afinal, a pandemia não atingiu só o Brasil, mas o mundo todo. Vários países, mesmo frente à quebra das cadeias internacionais de alimentos, ao aumento dos preços internacionais, não estão enfrentando um quadro de pobreza e de fome como o Brasil”, destaca.

Segundo sua avaliação, esses países usaram o conjunto dessas ferramentas, desses instrumentos e dessas políticas públicas para garantir a segurança alimentar do povo.

O Brasil fez o oposto. Já tinha desmontado um conjunto de políticas públicas, dentre elas, inclusive, a legislação trabalhista. Então, mesmo aquela população que estava ou está trabalhando se encontra em situação de insegurança alimentar, porque está com a renda muito baixa”, afirma Tereza.

Um dos dados que mais chamaram a atenção da ex-ministra no estudo preparado e organizado a partir da pesquisa Gallup, coordenado nacionalmente pelo professor Marcelo Neri, é que ele comparou o Brasil com outros 120 países.

“O que a gente observou é que a insegurança alimentar no país aumentou quatro vezes mais que a média mundial. Isso mostra, que, na verdade, a gente não conseguiu enfrentar bem a situação, como vários outros países fizeram, porque as políticas públicas foram desmontadas”, avalia.

O Brasil voltou ao Mapa da Fome – Foto: Cyla Ramos

“Governo não coordenou a política nacional de alimentação escolar”, relata a economista

Tereza menciona alguns exemplos do que foi desmontado no país, que afetam diretamente a questão. “O Programa de Aquisição de Alimentos, o governo não coordenou a política nacional de alimentação escolar, o que a gente chama de merenda escolar. Com o fechamento das escolas esse processo todo poderia ter sido coordenado e viabilizado, para que as famílias com crianças tivessem acesso a alimentos, mesmo com as escolas fechadas”, aponta.

Além disso, ela ressalta que “acabaram com o programa de cisternas, com a política de valorização do salário mínimo e, assim, um conjunto de outras políticas destruídas uma a uma”.

Tereza fez algumas postagens nas redes sociais sobre o tema. Veja: