NOVO ENSINO MÉDIO

PL do Ensino Médio 'sacrifica' ensino integrado, afirma especialista

Em meio ao anúncio dos Institutos Federais, projeto de Mendonça Filho cria dualidade entre formação básica e técnica, prejudicando proposta do ensino profissionalizante

Daniel Cara analisa PL do Ensino Médio em relação à formação técnica.Créditos: Gabriel Jabur/Agência Brasília
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Após longa discussão entre o ministro da Educação, Camilo Santana, e o deputado Mendonça Filho (UB-PE), o Projeto de Lei que traz mudanças ao Novo Ensino Médio pode ser votado nesta quarta-feira (20) na Câmara dos Deputados. 

O texto final é um meio-termo entre as exigências do MEC e do deputado, também relator do projeto e ex-ministro da Educação de Michel Temer, governo que propôs a reforma. A principal vitória apontada por educadores, movimentos sociais e especialistas é a retomada da carga horária de 2,4 mil horas para a Formação Geral Básica (FGB).

No entanto, o texto ainda sofre algumas críticas em relação a pontos importantes, como a permanência do notório-saber, a não-obrigatoriedade do ensino de Língua Espanhola, a possibilidade de ensino a distância “em caráter excepcional” e a disputa entre o ensino regular e técnico devido à carga horária. 

Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e egresso do modelo médio-técnico, Daniel Cara, o último ponto é um dos mais importantes. Para ele, Mendonça está sacrificando o modelo integrado e fazendo com que o Brasil volte a uma dualidade entre o ensino propedêutico e o ensino técnico.

O novo texto estabelece que os estudantes terão 2,4 mil horas de formação básica e 600 horas de itinerário formativo no ensino médio regular. Já no ensino técnico, o máximo de horas ficou estabelecido em 1,8 mil e o restante para o curso técnico. Desse modo, a formação básica e técnica ficam em disputa dentro da carga horária total do Ensino Médio, que é de 3 mil horas. "Nesse aspecto, eu acho que o texto do Mendonça é um enorme retrocesso", disse Daniel Cara em entrevista à Fórum

A crítica de Cara acontece de forma paralela ao anúncio da criação de 100 Institutos Federais (IFs) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os IFs fornecem uma educação médio-técnico integrado ao ensino profissionalizante.

"Não adianta fazer Instituto Federal se o modelo não for integrado, porque é ele que faz a diferença", afirma. "Ao determinar que na educação profissional a carga horária de Formação Geral Básica normalmente vai ser 1.800 ou 2.100 horas, a depender do tamanho do curso profissionalizante, na prática, o que se retoma no Brasil é a dualidade do século XX entre educação propedêutica e educação profissional." 

Para exemplificar o perigo da proposta, Daniel Cara afirma que uma estudante de enfermagem, por exemplo, acabaria estudando muito pouco de biologia, que é uma disciplina necessária para o exercício da sua profissão, em razão da disputa de horários entre os dois tipos de formação.

"O projeto de Mendonça Filho retoma uma medida que foi superada no Estado Novo e posteriormente superada na derrota da Ditadura Militar. Então, de fato, é um elemento terrível de retomada de uma visão educacional que é completamente descontextualizada do século XXI", finaliza o professor.