Comandada pela “Musa do Veneno”, Agricultura sofre com retrocessos

Recorde na liberação de agrotóxicos, paralisação da reforma agrária, estímulo à violência nas áreas rurais, criminalização dos movimentos ligados ao campo são apenas alguns problemas criados pela política de Bolsonaro

"Há um recorde de registro de agrotóxicos no período", diz Acácio Zuniga, diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária - Foto: Divulgação
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A Agricultura é um dos setores que mais sofrem com as medidas adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro nestes primeiros 100 dias. À frente do ministério está a ex-deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), conhecida como “Musa do Veneno”, por ter atuado intensamente a favor da bancada ruralista na Câmara e da liberação de agrotóxicos. Acácio Zuniga Leite, engenheiro florestal, mestre em meio ambiente e desenvolvimento rural e diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), aponta as dez principais iniciativas do governo que prejudicam muito o setor. “Na minha opinião está havendo uma desconfiança dos setores produtivos. A questão do fim do subsídio do leite, a instalação de um escritório de negócios em Israel, tudo isso são afrontas ao agronegócio, porque prejudica ou ao menos arranha os grandes canais de comercialização”, destaca Zuniga. Confira os dez pontos apontados por Acácio Zuniga Leite: 1) Extinção da SEAD A Secretaria Especial Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD), que estava ligada à Casa Civil da Presidência da República e era herdeira de grande parte das competências do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), foi extinta. Da mesma forma, uma série de outras estruturas foram dilaceradas, em especial no Ministério do Meio Ambiente. 2) Explosão na liberação dos agrotóxicos e renovação do Convênio 100/97 (isenção fiscal agrotóxicos) Há um recorde de registro de agrotóxicos no período, totalizando 121 nos três primeiros meses de governo. Além disso, houve a renovação do convênio que autoriza os estados a isentar do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) os agrotóxicos, o que estimula e facilita ainda mais seu uso. 3) Paralisação da reforma agrária e nomeação do Nabhan Garcia Já na primeira semana, diretores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) enviaram documentos às superintendências regionais paralisando as atividades. Apesar de o governo ter voltado atrás na época, mais recentemente reafirmou a condição, visando “não criar falsas expectativas” dado o parco orçamento. A própria nomeação de Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), como secretário especial de assuntos fundiários já diz muito sobre a perspectiva da agenda desse governo. 4) Envio do SFB ao MAPA e subordinação da agenda ambiental à agrícola  O Serviço Florestal Brasileiro (SFB), criado em 2006 para a gestão de florestas públicas federais, em especial a concessão florestal, que posteriormente recebeu a competência para a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), ficou dentro da estrutura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). 5) Criminalização dos movimentos e violência no campo Já são 11 assassinatos em 2019. Diversas manifestações do governo apontam que não reconhecem os movimentos como mecanismo de interlocução com a sociedade. Em especial, vale destacar a decisão da ouvidoria do Incra de não aceitar receber entidades para diálogo (situação posteriormente flexibilizada). 6) Promessas de arrendamento de áreas indígenas Bolsonaro reafirmou seu compromisso de liberar o arrendamento para a expansão da fronteira agrícola em terras indígenas. Diante da possibilidade de novos negócios, ou mesmo de regularizar invasões em curso, esta posição fez com que deputados ruralistas acelerassem projetos que ampliam o uso das terras indígenas, criando novos focos de conflitos ou acirrando velhas disputas. Esta posição governamental representa uma ameaça direta à autonomia e aos modos de vida de povos indígenas em todo o país. 7) Aposentadoria rural A Medida Provisória (MP) 871, além de propor uma varredura nos benefícios previdenciários vigentes, o que historicamente tem servido de cortina de fumaça, mascara um mecanismo perverso de obstaculização ao acesso às políticas sociais e previdenciárias por parte dos segurados especiais, alterando a Lei 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Conforme prevê a MP em discussão no Congresso, a partir de 2020, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural ocorrerá exclusivamente pelas informações constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Foram, portanto, excluídas do processo de cadastramento dos segurados especiais as entidades de classe, como confederações ou federações. O problema ganha envergadura ao considerarmos que apenas cerca de 10% dos segurados especiais estão cadastrados no CNIS-Rural (PEIXOTO, 2019). 8) Insegurança jurídica - revisão dos atos anteriores Todos os processos de ocupações de terras do Brasil, desde as medidas de reforma agrária do Incra, passando por demarcações de terras indígenas pela Funai e por delimitações de terras quilombolas pela Fundação Palmares, serão alvo de um levantamento pelo governo. “Vamos passar a limpo todas as questões fundiárias no Brasil. Vai ser feito um levantamento amplo para ver a situação real da regularização fundiária. Você acha que tem irregularidades só no Incra? Tem irregularidade em muitos outros setores também. Tudo tem que ser analisado com um olho neutro e isento, sem nenhum tipo de tendência, vínculo político ou ideológico, sem interferência de ONGs”, ameaçou Nabhan Garcia. 9) Terras indígenas no MAPA A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) foi desvinculada do Ministério da Justiça e destroçada, tendo sua competência maior (identificação, demarcação e licenciamento de terras indígenas) transferida para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A estrutura remanescente e atribuições restaram vinculadas ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 10) Extinção do Consea O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) – estrutura de assessoria e de participação social, criada em 1993, contribuiu decisivamente na formulação de políticas de superação da fome e criação de mercados institucionais – amanheceu extinto em 01.01.2019 sem maiores explicações ou justificativas. Leia aqui o especial da Fórum sobre os 100 dias do governo Bolsonaro