Hildgard Angel será destaque em carro no desfile da Mangueira

A jornalista vai sair na Mangueira, no carro dos verdadeiros heróis de nossa História. Comovida, ela que é filha e irmã de assassinados políticos pela ditadura, conta em entrevista exclusiva à Fórum da sua emoção com o desfile

(Foto: Reprodução/facebook.com/hildegardangel)
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A jornalista Hildgard Angel vai sair na Mangueira, na frente do carro dos verdadeiros heróis de nossa História. Ela vai representar os familiares de desaparecidos políticos, “uma grande honra”, segundo ela. Hilde é filha de Zuzu Angel e irmã de Stuart Angel, os dois assassinados pela ditadura. Neste momento, em que o Brasil tem um presidente que presta tributo a torturador, a jornalista vai desfilar em cima de livros de história, em homenagem aos heróis da ditadura, recontando no samba uma história que se confunde com a sua. E, ao mesmo tempo, uma história que se repete como farsa, onde outras heroínas do nosso tempo, como Marielle Franco, homenageada deste ano pela Verde e Rosa, ainda são brutalmente assassinadas. Hilde conversou com a Fórum sobre a sua comoção com o desfile da Mangueira. Um samba que, segundo ela, desmistifica a história contada pelos poderosos, “onde os vilões se tornam heróis, e os heróis são os vilões”. Fórum - Já desfilou em algum outro carnaval? Hildegard Angel - Já, e desfilei sempre em carro alegórico. Gostaria de ter ido, ao menos uma vez, no chão. Sai na Em Cima da Hora, do Grupo de acesso, samba-enredo em homenagem a mamãe. Sai na União da Ilha, em que um carro também a festejava. E na Porto da Pedra, em carro do povo da moda, estilistas, modelos, jornalistas. Meu trabalho jornalístico sempre esteve afinado com o mundo do samba. Quando comecei a cobrir nas colunas sociais as escolas de samba, muita gente estranhou. Na época os chiques iam todos para Petrópolis ou para Búzios no carnaval. Eu ficava no Rio para ver as escolas, e fazia as coberturas. O primeiro camarote de “famosos” na Sapucaí foi por acaso iniciativa minha. Eu tinha uma coluna de TV, e meu amigo João Roberto Kelly assumiu a Riotur. Ainda não havia Sambódromo. Sugeri a ele fazer um camarote só com artistas, e eu faria os convites pra ele, se quisesse. Ele topou. E houve esse camarote uns três anos, até que o Brizola com o Darcy Ribeiro fizaram o Sambódromo. Fórum - Como recebeu esse convite para ser destaque no desfile da Mangueira? Hildegard Angel - O carnavalesco Leandro Vieira me ligou. Queria convidar familiares de desaparecidos políticos. Topei ir. Dei até algumas sugestões de outros nomes, com os telefones, para ele convidar. Fiquei desconcertada quando soube que eu representaria os familiares. É muita honra. Fórum - O samba deste ano vai falar sobre os heróis esquecidos do Brasil, como Marielle Franco e as vítimas da ditadura militar. Qual a importância, para você, de trazer essa temática à tona em um momento como o que estamos vivendo? Hildegard Angel - Acho fundamental abordar esse tema, e sobretudo agora quando vemos pessoas se calarem sobre assuntos cruciais, por medo de retaliações e por cautela. A liberdade como a entendemos e como a estávamos praticando não existe mais em nosso país. Receosas, as pessoas se reprimem. Receio de serem excluídas, discriminadas, como se víssemos ressurgir aquele Brasil contra o qual tantos lutaram ansiando por democracia. Agora somos reféns da prepotência “do mercado”, de um Judiciário partidarizado, de uma mídia comprometida com interesses que não são o jornalístico. O samba da Mangueira vai na origem da mistificação daquela História narrada pelos poderosos. Em que os vilões se tornam heróis, e os heróis são os vilões. O “Herói que não está no retrato” do samba da escola são os negros abolicionistas, não é a Princesa Isabel. Assim como não são heróis os bandeirantes, que exterminaram os índios, em suas incursões pelo interior do Brasil em busca de riquezas e conquista de terras. A catequese de padre Anchieta, roubando dos índios sua identidade cultural. As atrocidades da Guerra do Paraguai, com envenenamento do Rio da Prata. E a bravura dos heróis no período da ditadura. Está tudo lá, no samba-enredo, nas alegorias dos carros. O carnavalesco me disse que não concebe o carnaval se não houver um conteúdo político, no sentido do relato histórico verdadeiro e crítico. E estou encantada com a sorte de participar desse momento grandioso, falando coisas que muitos não ousam dizer, outros não querem escutar, parte da mídia evita repercutir. E viva a verde e rosa!