Para especialista, unificar eleições afasta população da política e esvazia debate público municipal

O cientista político Bruno Pasquarelli acredita que a disputa pela Presidência da República deixaria as pautas das cidades em segundo plano, como já acontece nas escolhas para deputados, senadores e até governadores

Pasquarelli observa que a participação popular na política já tem sido alvo, como na revogação de conselhos sociais pelo presidente Jair Bolsonaro
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Doutor em Ciência Política pela UFSCar, o professor Bruno Pasquarelli acredita que a unificação das eleições municipais com as gerais pode afastar ainda mais as pessoas do debate político, além de esvaziar as discussões sobre as pautas das cidades, marcantes nas disputas para as Prefeituras e Câmaras de Vereadores. A ideia tramita no Congresso Nacional, a partir de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC). O parlamentar propõe que os mandatos dos prefeitos e vereadores do momento sejam prolongados até 2022, para que os brasileiros possam ir às urnas, de uma só vez, votar para seus candidatos da esfera municipal e mais para deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente da República. Peninha alega que a medida geraria economia aos cofres públicos e que “o povo não aguenta mais tanta eleição”. Para o professor Bruno Pasquarelli, a proposta vai na contramão da ideia central de democracia, que pressupõe a participação constante da população na política. Ele observa que o Brasil já não tem a cultura dos referendos e plebiscitos e, diante dos decretos de revogação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) contra os conselhos, vê sob ameaça mais um mecanismo de participação social “A população só seria chamada às urnas a cada quatro anos. O ideal é que estivesse cada vez mais envolvida no debate público”, pontua. Outro aspecto abordado pelo cientista político é a perda na qualidade da democracia. “Imagine um pleito em que diferentes candidatos debateriam assuntos da União, dos estados e dos municípios. Vai ficar complicado para o eleitor entender para que ele está votando”, acredita. A tendência, segundo o professor, é de que a eleição para prefeitos e vereadores fique em segundo plano, como já ocorre nos pleitos majoritários, que costumam centrar as atenções na corrida pela Presidência da República. “Muita gente só vota mesmo para presidente e acaba seguindo indicações para outros cargos”, completa. Bruno Pasquarelli pondera que, positivamente, a unificação das eleições impediria o uso de cargos públicos como trampolim político, referindo-se aos mandatários que abandonam os postos para os quais foram eleitos para concorrer a outros. Ainda assim, acredita que haja outros mecanismos legais para evitar a prática. Contraponto Questionado sobre a chance de esvaziamento do debate eleitoral nos municípios, o autor da PEC, deputado Peninha relativiza, alegando que os problemas da cidade já são conhecidos. "Todo mundo sabe qual é a necessidade, quais são os problemas que precisam ser resolvidos com urgência. Não precisa ser feito um debate para isso. O que se precisa é de solução. E, na maioria das vezes, o problema é que falta dinheiro. Com eleições a cada quatro anos, podemos usar esses recursos para investir nos municípios. Ou seja, o benefício será ainda maior", acredita. O maior desafio para o sucesso da PEC, no entanto, está no curto prazo disponível para que seja aprovada na Câmara e no Senado, a tempo de que valha já para adiar as eleições municipais de 2020. A proposta foi apresentada na semana passada e sua tramitação tem que estar concluída até 4 de outubro, um ano antes do pleito. O parlamentar, contudo, está confiante. "Um número muito grande de parlamentares tem me procurado justamente para demonstrar apoio ao projeto. Na semana passada, inclusive, após o anúncio na Marcha dos Prefeitos, meu gabinete recebeu um volume muito grande de pessoas de vários estados brasileiros para saber mais sobre a proposta, para apoiar", conta Peninha.