PL das Fake News apresenta riscos à privacidade, diz InternetLab

"Não duvido das boas intenções dos legisladores, mas me parece claro que a proposta está excessivamente contaminada pelo cenário político relativo a diagnósticos apressados", disse o pesquisador Carlos Fico

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Diante das polêmicas no entorno do Projeto de Lei das Fake News, aprovado no Senado e com tramitação na Câmara dos Deputados, o InternetLab, um centro independente de pesquisas focado em internet e direitos humanos, convocou especialistas para fazer um estudo sobre os riscos que se apresentam no texto.

Segundo o InternetLab, um dos pontos mais polêmicos do projeto é o artigo 10, que "busca barrar o compartilhamento em massa de mensagens por meio da coleta de dados que identificam não o conteúdo das mensagens em si, mas quem as encaminhou, e quem essas mensagens atingiram". "É a coleta, portanto, de dados sobre as mensagens encaminhadas, assim como sobre seus encaminhadores. O nome técnico para esses dados sobre outros dados é 'metadado'", sinaliza o Centro.

Segundo a proposta, aplicativos com mais de 2 milhões de usuários - como o WhatsApp - passariam a ser obrigados a reter, por três meses, "registros dos envios de mensagens veiculadas em encaminhamentos em massa". O texto define "encaminhamento em massa" como o envio da mesma mensagem por mais de cinco usuários a grupos e listas, em um intervalo de até 15 dias, e que atinja no mínimo 1.000 pessoas.

Os registros retidos devem incluir a indicação dos usuários que encaminharam a mensagem, o horário dos encaminhamentos e a quantidade de pessoas que a mensagem atingiu. Os metadados poderão ser obtidos no curso de uma investigação ou processo criminal a partir de uma ordem judicial.

"Não duvido das boas intenções dos legisladores, mas me parece claro que a proposta está excessivamente contaminada pelo cenário político relativo a diagnósticos apressados", é o que diz Carlos Fico, especialista em vigilância e autoritarismo, professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Fico diz ainda que "aprovado como está, o projeto não contribuirá para a consolidação da democracia". "Não sou especialista em legislação ou em
direito, mas a proposta me parece repleta de imprecisões e de possibilidades de uso indevido de dados, inclusive de metadados,
que não deveriam ficar sob o escrutínio de empresas que gerenciam aplicativos de mensagens ou outros", disse.

Grande base de dados

Para Riana Pfefferkorn, especialista em criptografia, o artigo promove "menos segurança e privacidade para os usuários, porque significaria uma grande base de dados com as mensagens de todo mundo. Ela poderia ser hackeada, ou sofrer algum tipo de violação, apesar das obrigações que a lei estabelece em relação às informações".

Segundo Pfefferkorn, diretora associada de Cibersegurança e Vigilância no Centro para Internet e Sociedade da Universidade de Stanford, a medida poderia levar ao fim da criptografia de ponta a ponta e pode promover a autocensura. "É uma enorme invasão de privacidade que os provedores sejam forçados pelo governo a guardar (e entregar para a polícia) toda essa informação", avalia.

Privacidade

Amber Sinha, pesquisador e diretor do Center for Internet & Society, de Bangalore, Índia, comparou o PL com uma proposta de retenção e rastreabilidade de dados apresentada no país asiático. "Os requerimentos para rastreamento ignoram as melhores práticas de privacidade. É necessário que o design técnico de aplicativos e arquitetura da informação sejam pensados de forma a reduzir a quantidade de informação à qual os atores terão acesso", disse.

"Criminosos não serão pegos"

A pesquisadora Jacqueline Abreu, advogada especialista em direito constitucional e tecnologia, ainda alertou que o PL pode não cumprir com o que pretende. "Criminosos mais sofisticados poderão, por exemplo, simplesmente utilizar-se de estratégias de envio de fora do Brasil ou usar os limiares indicados como instruções para como não serem pegos", declarou.

Má aplicação

O jornalista e advogado constitucionalista Glenn Greenwald também foi ouvido pelo InternetLab e criticou o projeto que tramita na Câmara. "Mesmo que se criasse uma tecnologia que fosse eficaz, por qualquer motivo, contra discurso de ódio, o Facebook não aplicaria de forma genuína, faria para mostrar que está fazendo. Vai fazer só para agradar a sociedade. Sempre vai ter uma solução tecnológica para evitar essa tentativa de controle. O único resultado é que o Facebook teria
mais poder para censurar, mas [guardar metadados] não ajudaria com os problemas", avaliou.

Para Glenn, "quanto mais poder damos para as empresas, mais poder damos aos grupos poderosos. O discurso de proteger minorias pode ser o pretexto, mas não seria a forma como esse poder seria utilizado".

Confira aqui o estudo na íntegra