A sacada de Glenn e o isolamento do Partido da Lava Jato

Dennis de Oliveira diz no Blog Quilombo: “É questão de tempo para Moro cair, talvez os poderosos de plantão estejam vendo uma forma de descartá-lo evitando fortalecer ainda mais a figura de Lula”

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A notícia que ganhou destaque na agenda política deste final de semana (antecipada pela Revista Fórum no sábado pelo colega Renato Rovai) foi a parceria entre The Intercept e a Folha de S.Paulo, noticiada na edição de domingo do quase centenário jornal paulista. Na quarta-feira, já tinha sido anunciada a parceria com o colunista Reinaldo Azevedo que, em seu programa na Band, anunciou novos vazamentos da Lava Jato. Esta notícia é importante pois expressa uma resposta inteligente e rápida de Glenn Greenwald, do The Intercept, ante a ameaças que foram disseminadas (em especial por uma matéria de capa da revista Isto É) de que o aparato da Polícia Federal seria mobilizado para criminalizar os jornalistas que estivessem vazando essas conversas comprometedoras do ex-juiz com os procuradores da Lava Jato. Inscreva-se no nosso Canal do YouTube, ative o sininho e passe a assistir ao nosso conteúdo exclusivo Era a cristalização da tática de defesa dos lavajatistas de desviar o foco do conteúdo da conversa (que compromete seriamente todos os atores da operação) para quem vazou a conversa. Esse foi o tom do depoimento de Sérgio Moro no Senado e de das declarações dos lavajatistas. Nas redes sociais, cresceram as hashtags dos bolsonaristas e lavajatistas pedindo a prisão e até a deportação de Glenn, sem contar a fantasiosa história de uma pretensa conspiração que envolveria os russos, Jean Willys, hackers e outros (aliás, esta foi a base da matéria da Isto É). Em outros momentos, afirmei que uma das dificuldades que o projeto de transformação do Estado brasileiro em uma instituição autoritária de caráter bonapartista que inspira o bolsonarismo é o enfrentamento com corporações tecnoburocráticas, que se fortaleceram justamente no arranjo institucional da democracia liberal. A primeira corporação que mostrou sua indignação foi a da educação com as diatribes do MEC. Os cortes e as tentativas de intervir na autonomia universitária por parte dos terraplanistas do MEC uniu segmentos do campo educacional que não necessariamente sejam progressistas ou de esquerda - veja, por exemplo, os posicionamentos dos reitores das universidades estaduais paulistas. E isso redundou em manifestações massivas e vitórias em ações judiciais. A tática dos lavajatistas agora ataca a imprensa. Entidades como a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a Repórteres Sem Fronteiras, também com diretorias não necessariamente de esquerda condenaram as posições do ex-juiz e dos lavajatistas, que sinalizam para uma “criminalização” do jornalismo. (Sérgio Moro era convidado do Congresso da Abraji e, depois desta posição da entidade, decidiu não comparecer ao evento). Novamente um enfrentamento arriscado contra uma corporação - a dos jornalistas. E, justamente, com quem ele contou fortemente nas suas ações espetaculares da Lava Jato. Mas Moro já tinha mostrado que a liberdade de imprensa é seletiva, pois foi ele que mandou a Polícia Federal intimidar o blogueiro Eduardo Guimarães por este ter divulgado, antes, a intenção de conduzir coercitivamente o presidente Lula. Greenwald é jornalista experiente e sabe do que os lavajatistas são capazes. Daí, rapidamente, ampliou o seu leque de apoio com a mídia hegemônica. E a primeira informação disseminada pela Folha de S.Paulo foi que constatou-se a veracidade do material. Na quinta-feira, o dono da Bandeirantes responsabilizou a Lava Jato pela crise econômica no país. Diante de tudo isto, sobrou a Moro falar para a sua plateia mobilizando o sentimento que mais identifica: o pseudo-eruditismo arrogante. O seu tweet de domingo - uma frase do filósofo Horácio em latim - é precedido da fala Um pouco de cultura. Uma classe média medíocre que se regozija de comprar muambas em Miami e acha que ver o Jornal Nacional é estar bem informado tem-no como herói com estas pílulas de cultura de almanaque, no mesmo nível da personagem “Macabéa”, do conto A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, que tinha como única fonte de informação as curiosidades que ouvia em um programa de rádio. Só este núcleo de pessoas não sustenta mais Moro. O Partido da Lava Jato, todo poderoso que tinha simpatias imensas com a mídia hegemônica e setores do capital rentista, vai desmilinguindo. É questão de tempo para Moro cair, talvez os poderosos de plantão estejam vendo uma forma de descartá-lo evitando fortalecer ainda mais a figura de Lula.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.