Agenda de costumes ou pauta de extrema direita? – Por Julian Rodrigues

A grande mídia segue errando ao classificar a ideologia neofascista, fundamentalista e autoritária de Bolsonaro

Foto: Grupo radical de extrema direita marcha em Brasília e ataca sede do STF, em 2020 (redes sociais)
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É impressionante. Em pleno 2021 temos que ler matérias e artigos que colocam no mesmo cesto um conjunto de medidas reacionárias, em diversas áreas e as chamam de “pauta de costumes”.

Querem falar da agenda de Bolsonaro. Um amálgama neofascista e ultraliberal, um governo que junta desde os fundamentalistas religiosos até milicianos, passando pelo capital financeiro, grande mídia e militares.

Tratar a luta feminista, antirracista, das LGBTI como “costumes” eu já tinha visto muito, inclusive entre gente de esquerda. Escrevi aqui tentando mostrar o equívoco conceitual.

O pior é ter que ler artigos de jornalistas com trajetória de esquerda, fazendo salada mais indigesta. Para não classificar como obscurantista, fascista, reacionária ou algo similar o programa de Bolsonaro, chamam de “pauta de costumes”.

Leiam esse parágrafo do Ricardo Kotscho, em coluna publicada no primeiro dia de fevereiro no portal UOL. Kotscho é veterano jornalista que trabalhou anos com Lula e com o PT.

“Essa conversão do presidente à ‘velha política’, que ele combatia na campanha, tem seu preço com o setor mais radical do bolsonarismo, mas para esses devotos ele já prepara um pacote de medidas na área de costumes, como a liberação total de armas e munições para todos, a escola sem partido, mudanças na legislação sobre o aborto e combate a todas as lutas identitárias por justiça social...”

Na pegada ensinada por New Kids on The BLock, vamos passo a passo.

“Liberação total de armas e munições” é uma proposta que muda a política nacional de segurança pública. Mais ainda, pode se configurar como uma ideia que altera a própria ordem constitucional. Mimetiza princípios legais e políticas estadunidenses, a ideia de um “liberou geral” para as armas de fogo. As milícias e o crime organizado, além da indústria de armas, agradecem, claro.

Mas eu pergunto: o que isso tem a ver com “área de costumes”??

Escola Sem Partido, por sua vez, é o nome de um movimento político conservador que, embora criado no início dos anos 2000, teve seu auge entre 2015 e 2018.

Os avanços em legislações estaduais e municipais obtidos pelo movimento foram abortados. Diversas decisões do STF deixaram claro sua inconstitucionalidade.

Liberdade de expressão, de cátedra, pluralidade, laicidade e vários outros princípios democráticos são atacados por essa movimentação reacionária. 

Mas, eu pergunto de novo:  o que isso tem a ver com “área de costumes”?

Legislação sobre aborto. Ok. O movimento de mulheres, a luta feminista tem a mudança da legislação criminalizadora das mulheres que interrompem uma gravidez indesejada no topo de sua pauta de reivindicação.

Tratam-se de direitos sexuais e reprodutivos. Que são parte dos direitos humanos, das liberdades democráticas, da autonomia das pessoas, do reconhecimento do direito das mulheres sobre seu próprio corpo.

Pergunto: o que isso tem a ver com “pauta de costumes”?

Por fim, nosso jornalista chama o enfrentamento do racismo, da homofobia, da transfobia, do sexismo de “lutas identitárias”. Aí, vou até dar um desconto, porque esse termo se generalizou.

A turma chama de “lutas identitárias” o combate às opressões. A luta feminista. A denúncia do racismo estrutural. O questionamento da cis-heteronormatividade.

É triste, mas seguimos mudando e ensinando.

Só não dá para engolir chamar pauta neofascista de “agenda de costumes”.

Vamos melhorar, gente! Ricardo Kotscho, seu lindo, bora se atualizar!