Cegos de ódio não enxergam a barbárie, por Adriana Mendes

Vejo isso como uma horda desesperada, que não aceita ver mulheres e negros no poder, que não suporta a visibilidade LGBT, que treme de horror diante de religiões que não as suas. Eles estão cegos de ódio e não enxergam a barbárie provocada. É como um último suspiro, é preferir a morte ao ver a ascensão das minorias.

Foto: Agência Brasil
Escrito en OPINIÃO el

Estou entre me manifestar sobre as eleições nos Estados Unidos e o caso da jovem Mari Ferrer, vítima de estupro e que foi humilhada em seu julgamento. Vamos lá... Quando eu tinha uns 8 anos, vi uma notícia de que as mulheres haviam conseguido o direito de jogar futebol. Até então, eu não sabia que jogar futebol era proibido para as meninas, até porque nós jogávamos de vez em quando, com os garotos pernas de pau da natação.

Fui crescendo, lendo e concluindo que a sociedade conservadora estava ficando desesperada com a “libertinagem” das mulheres, desde os anos 1960. Maldita pílula anticoncepcional que deixa as mulheres escolherem quando, e “se”, vão ter filhos e até com quem vão, ou não, ter esses filhos. E tudo parecia estar indo muito bem nos anos 1980, com as garotas de cabelos curtos e ombreiras e os meninos com longas madeixas e brinquinhos na orelha.  Estávamos sendo andróginos, sem gêneros, sem rótulos, com liberdade e disciplina, como cantava Renato Russo.

Mas veio a AIDS. Ah, essa maldita doença! Culpa das putas nos puteiros, dos viados, dos drogados. Deixa a AIDS levar essa corja embora. Essa libertinagem, enfim, iria acabar! Mas daí foram se infectando mulheres casadas. Casadas com homens héteros, que talvez traíssem (sem camisinha) suas belas esposas nesses puteiros, com viados, com drogados, ou com outras esposas. Até líderes religiosos castos, que não eram hemofílicos, foram infectados. Então, o mundo se uniu ao combate a esse vírus maligno. E nada ainda de vacina.

Mesmo assim, com essa segurada no freio, parecia que no fim do século XX, com a chegada da tecnologia digital, internet, informações em tempo real, o mundo seria um só. Parecia que os movimentos feministas, progressistas e negros estavam tomando força. Tanto que no início destes apocalípticos anos 2000, a América Latina teve um líder sindical (Lula) na Presidência do Brasil e uma mulher a chefiar o Chile (Michelle Bachelet). Não tardou e um homem negro, Barak Obama, recebeu a faixa presidencial nos Estados Unidos. Depois de Lula, por aqui, uma mulher que já tinha lutado contra a ditadura, Dilma Rousseff, entrou para a chefia do estado. E também houve uma mulher concorrendo à Casa Branca, Hillary Clinton. 

O mundo estava mesmo mudando.

Aí deu um erro na Matrix. Entramos num mundo paralelo e tiram Dilma da Presidência. Pior, Donald Trump se elege presidente dos Estados Unidos (depois de algumas tentativas anteriores frustradas). Para piorar mais ainda, Jair Bolsonaro torna-se presidente do Brasil!

Trump pode estar se reelegendo neste momento. Logo ele, negacionista, racista, xenofóbico, machista, que foi acusado de estupro por várias mulheres. E aqui temos um presidente igual, que já disse para uma deputada (Maria do Rosário), que ela não merecia nem ser estuprada.

Num caso como o de Mari Ferrer, uma mulher que é humilhada no Judiciário é uma mulher estuprada pela segunda vez. É uma paulada em todas as mulheres. É o patriarcado dentro das instituições, é cultura do estupro dentro do sistema judicial. Tem que haver punição para estuprador, não para a vítima. Isso tem que estar claro para toda a sociedade, mas não está, porque a própria sociedade criou essa cultura do estupro. Soma-se a isso uma pandemia em que cresceu o número de casos de violência doméstica (44,9% só na cidade de São Paulo nos dois primeiros meses de isolamento social).

Sim, agora temos uma pandemia ainda pior que a dos anos 80, quando só se infectava (como continua sendo) por sexo sem camisinha, ou transfusão de sangue. Já nem se pode abraçar mais, tampouco ficar por perto sem máscara, e o que temos são líderes negacionistas que espalham fake news.

Vejo isso como uma horda desesperada, que não aceita ver mulheres e negros no poder, que não suporta a visibilidade LGBT, que treme de horror diante de religiões que não as suas. Eles estão cegos de ódio e não enxergam a barbárie provocada. É como um último suspiro, é preferir a morte ao ver a ascensão das minorias.

Nós, mulheres, somos a maioria e não vamos deixar que nos humilhem no Judiciário, local onde nos devem proteção e justiça. Vários atos estão sendo organizados, em várias cidades do País, para manifestar a indignação que sentimos. Fiquem atentos nas redes sociais para os chamados.

#NaoExisteEstuproCulposo

#JustiçaMariFerrer

Temas