Cruella e Viúva Negra: Girl Power na Disney Plus – Por Filippo Pitanga

Filmes que foram represados devido aos cinemas fechados estão aportando na plataforma de streaming com pedigree e ambição de blockbusters... Mas será que estão alcançando a meta?

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Com o avanço das vacinas e alguma sensação de segurança crescendo na população, durante esse difícil período de pandemia, algumas salas de cinema do circuito comercial arriscaram começar aos poucos a reabrir suas portas. O público ainda é tímido, o que se torna bastante compreensível pela falta de confiança nas políticas públicas de controle que tiveram várias recaídas nas curvas de contaminação. E é exatamente por isso que o lançamento nas plataformas de streaming ainda é mais do que apenas uma alternativa, e sim a salvação que alguns filmes estão encontrando para não amargarem um fracasso de bilheteria.

Mas se o mercado caseiro de filmes ganhou muito com isso em quantidade de opções, não necessariamente quer dizer que também tenha ganhado em termos qualitativos quanto ao nível de produção escoando nos streamings ao invés da tela grande. Evidente que a maioria das plataformas que produz hoje seu próprio conteúdo ainda possui algumas diferenças para os empreendimentos que são carros-chefes daqueles que são mais corriqueiros. Há de exemplo a adaptação em live action de “A Dama e o Vagabundo”, exclusiva para o lançamento da Disney Plus no ano passado, que evidentemente possuía um valor de produção bem menor do que o de lançamentos represados pelas portas fechadas dos cinemas e que começaram a aportar nos streamings por contratos zilionários.

Muito se debate o quanto a possibilidade de estreias (quase) simultâneas no cinema e nas plataformas virtuais poderia acabar com a experiência da sétima arte como a conhecemos hoje, ou apenas expandir as possibilidades de imersão e acesso... O que nos leva a refletir o quanto um esvaziamento das salas pode acabar falindo boa parte do circuito comercial... Ou, ao mesmo tempo, também pode levar a forçar mudanças radicais em como conceituamos o que definiria uma experiência de cinema, bem como obrigar com que alcançássemos novos patamares de interação com as obras.

O fato é que muitos filmes perdem sim um pouco de sua imersão fora das telonas ou sem o som apropriado, servindo quase como um calcanhar de Aquiles dos famosos blockbusters que poderiam não ter mais muita função do que apenas um lugar acomodado de escapismo descartável alcançado com as últimas décadas.

Um bom exemplo disso foram os mais recentes longas-metragens a aportar na Disney Plus, mais especificamente “Cruella” e “Viúva Negra”, ambos retidos há um bom tempo e finalmente disponíveis para o grande público a partir das salgadas taxas do Premier Access (como se fosse pay-per-view).

Vamos começar com “Viúva Negra” (2021), a primeira grande produção para os cinemas do universo cinematográfico Marvel (MCU) desde “Homem-Aranha: Longe de Casa” (2019) – sem contar “Os Novos Mutantes” (2020), que era uma anomalia produzida pela FOX antes de esta ser comprada pelo conglomerado Disney e não faz parte do MCU. O muito esperado filme solo da personagem feminina mais famosa do grupo “Vingadores”, na pele da multitalentosa Scarlett Johansson, foi dirigido pela australiana Cate Shortland, de filmes Cult como o seu primeiro longa “Salto Mortal” (2004), além de algumas obras feitas na Alemanha como “A Síndrome de Berlin” (2017) e o ótimo “Lore” (2012), que já versava sobre questões familiares, a partir da perspectiva de uma jovem que assume os irmãos numa figura materna substitutiva.

A primeira questão que se coloca, infelizmente, é um elemento externo ao filme, relativo ao extracampo de todo o universo Marvel no cinema: desde sua estreia em “Homem de Ferro 2” (2010), muito foi especulado e aguardado sobre uma aventura solo da personagem, que demorou mais de 10 anos para acontecer. E tudo isso em parte por questões realmente problemáticas na política de gênero da indústria cinematográfica em geral, bem como na de adaptações de super-heróis.

Durante bastante tempo foi alegado que um filme de heroínas mulheres como protagonistas não daria dinheiro ou atrairia multidões para assistir. Ou, pior ainda, acreditava-se que mulheres na direção não poderiam lidar com produções de milhões de dólares de orçamento. Uma nada velada misoginia da indústria patriarcal. E apenas quando a rival da Marvel, a DC Comics, levou para as telonas um filme solo da “Mulher-Maravilha” e dirigido por cineasta mulher, no caso, Patty Jenkins, é que a Marvel liberou seus projetos mais representativos: primeiro “Capitã Marvel”, dirigido pela dupla Anna Boden e Ryan Fleck, e, agora, “Viúva Negra”, dirigido por Cate Shortland.

Se o filme tivesse vindo logo depois de “Os Vingadores” (2012), e antes ou concomitante a “Capitão América: O Soldado Invernal” (2014) e “Homem-Formiga” (2015), este novo exemplar teria um toque razoavelmente fresco e até possivelmente inovador... E não que deixe de ser importante o mote focado em poderosas protagonistas femininas e coadjuvantes idem, bem como com uma trama sobre intrigas internacionais envolvendo a identidade da mulher, tudo trabalhado de forma muito precisa nesta aventura que ora aporta nos cinemas, mas cujo formato e até ritmo e cromática já foram vistos à exaustão no universo Marvel.

O próprio estúdio cinematográfico minou o filme ao dar a ele uma impressão digital reusada e gasta na série de filmes já vistos e sentidos antes. Desde uma palheta de cores mais frias para as partes investigativas e de transição, bem como matizes mais quentes ou vívidas para as partes mais cômicas ou explosivas – vide o predomínio de tons cinzas e toques de vermelho na mesma medida. O vermelho aqui utilizado de forma até mais criativa como analogia da Mãe Rússia, terra natal de Natasha Romanoff, alter ego da personagem de Johansson.

A fotografia de Gabriel Beristain (habitué da Marvel) não deixa de ser interessante, especialmente quando explora os contrastes entre as cromáticas já esperadas, e saturando especialmente os coloridos em meio à sobriedade experimentada a partir do biótipo de espionagem... E não é como se as cenas de perseguição e luta já não fossem um ponto alto das coreografias destinadas à personagem de Johansson... O fato de sua heroína ser inspirada numa espécie marcante de aranha sempre foi explorado de forma criativa, tanto nos movimentos gestuais, quanto no combate corpo a corpo, tudo para aproveitar a articulação de um animal artrópode adaptado num ser humano que é bípede.

Em “Viúva Negra a gente vê a consolidação disso, apesar de que muitas destas danças de luta já estivessem em filmes anteriores, mas que agora ganharam um espelhamento curioso nos reflexos em outras ‘viúvas’, especialmente a relação fraternal construída na nova personagem Yelena Belova (Florence Pugh). É graças ao poder da ironia e desse espelhamento na relação entre mulheres que as coreografias ganharam um pouco mais do que apenas mais do mesmo... Ainda que a inteligência seja mais aproveitada aqui, para não dizer que as heroínas só sabem resolver as coisas na porrada, pois isso já foi visto à exausto e deixou de ser crível ou mesmo estimulante desde a saturação do subgênero do “exército de um homem só” (como os brucutus Stallone, Schwarzenegger, Norris etc).

A trama versa sobre o passado da Viúva e do exército de mulheres arregimentado por seu antigo desafeto dado como morto, Dreykov (Ray Winstone, do ótimo “Sexy Beast” de 2000), bem como a descoberta para os fãs da heroína de seu passado sombrio e possíveis laços familiares (sejam sanguíneos ou de criação). Como estamos falando do universo da espionagem, nem tudo é o que parece.

Para quem acompanha os quadrinhos, ou mesmo a franquia de filmes da Marvel, já está cansado de saber que a personagem já foi uma assassina russa treinada com lavagem cerebral para assassinar quem seu governo ordenasse... E isto poderia soar maniqueísta se a Marvel não sempre tomasse bastante cuidado em não vilanizar nações e sim iniciativas privadas... A culpa geralmente é do empresário que der o maior lance pra dominar o mundo. Típico de filmes de James Bond (que até aparece dentro de “Viúva Negra”, com a personagem de Johasson assistindo ao filme “007 contra o Foguete da Morte” de 1979).

E não só Bond, mas outras franquias também são parafraseadas ou ironizadas, como “Missão: Impossível” e a trilogia “Identidade Bourne”. Quase como se desejasse se reapropriar dos códigos e símbolos de espionagem de volta para uma personagem feminina. Porém, o filme o faz de forma extremamente tímida e sem vincular numa proposta própria forte o bastante para ressignificar o gênero (como “Atômica” de 2017 com Charlize Theron tentou bem melhor e conseguiu até com mais êxito).

Ou seja, esta é uma das principais questões do filme. Há muitas propostas perdidas até interessantes, mas que não conseguem se desprender de uma cartilha envelhecida da Marvel e de filmes anteriores, aportando hoje de forma tardia e datada. Isso parece, inclusive, ancorar pesadamente a ótima primeira terça parte da projeção, bem mais livre, e à altura do que parecia a intenção da diretora, tolhida pelos outros dois terços fora de seu controle criativo.

Toda a introdução da personagem, mesmo que forçando a barra para parecer mais uma gênese desnecessária, porque a Viúva já vinha sendo construída em inúmeros filmes dos Vingadores com flashbacks e revelações, ainda assim possui personalidade estética e uma assinatura. Aos olhos deste crítico, como a atriz que interpreta a jovem Natasha é encarnada por Ever Anderson, filha de Milla Jovovich, parece até intencional as referências ao início de “Resident Evil 5: Retaliação” (2012), bem como ao filme que inspirou este outro, “Madrugada dos Mortos”, a refilmagem e o original (2004 e 1978).

Mas existe outra problemática conceitual na essência do filme, e que vai além do extracampo, pois esta foi a maior mancada que uma franquia poderia ter cometido numa empreitada multimilionária. A personagem de Viúva só ganhar seus filmes solo agora parece até piada de mau gosto, pois, para quem é fã, sabe muito bem qual é o final do filme “Vingadores: Ultimato” (2019). Um contrassenso paradoxal ter de voltar ao passado para encontrar uma substituta à altura da personagem já completada e encerrada na franquia original, mesmo que a personagem aparentemente escolhida pra sucedê-la não deixe de ser muito bem construída na pele da ótima Florence Pugh (“Misommar” de 2019)... – A personagem serve como uma irmã mais nova da Viúva, alguém que não teve contato quase nenhum com o Ocidente, e, portanto, permanece com senso de humor e características bem mais pessimistas e ligadas aquela dureza culturalmente associada à Rússia (gerando até humor com essa ironia).

Aliás, os coadjuvantes são todos excelentes e divertem horrores, mas não sustentam o filme por si só. Com nomes de peso, como Rachel Weisz (ganhadora do Oscar de coadjuvante por “Jardineiro Fiel” de 2005) e David Harbour (da série “Stranger Things”), que parecem ótimas adições para se inserir em lugar nenhum, já que o universo paralelo criado não se sustenta sozinho e parece aquelas fitas que o Tom Cruise precisa ouvir antes de se auto-destruir em 5 segundos em mais uma missão impossível... Um filme muito bem feito e até com algumas emoções, mas descartável como um jogo de videogame para um console que saiu do mercado. – Se quiser ouvir mais sobre o filme (e sobre a série “Loki”), confira debate no podcast do Cinema em Série com este que vos escreve e equipe especial de convidados especialistas clicando aqui.

Já “Cruella” é outra história. Se “Viúva Negra” levou para o streaming toda a ação que um orçamento milionário pode comprar e não ter tantas telas grandes pra escoar em meio à pandemia, já o filme que serve de prequel de origem pra vilã de “101 Dálmatas” (1996) é bem mais estruturado numa proposta estética coesa como linguagem de cinema. Mesmo sendo um filme declaradamente voltado pro público infanto-juvenil, e podendo parecer subestimar um pouco o entretenimento dos adultos, há uma pesquisa e estofo de fato bastante ricos nas camadas do filme, fazendo um ótimo trabalho de escavação analisar mais a fundo.

Dirigido por Craig Gillespie, o mesmo cineasta por trás do cáustico “Eu, Tonya” (2017), e que já se debruçava em figuras femininas num retrato sarcástico e subversivo, agora ele dá umas colherinhas de açúcar ao veneno da personagem-título anterior, mas sem deixar de ainda assim ter um pouco de pimenta na mistura.

No lugar de Margot Robbie como Tonya, agora vemos Emma Stone no papel-título que já foi imortalizado pela grande Glenn Close como a estilista louca por pele de dálmatas... E não que possamos comparar uma interpretação com a outra, mas Emma não deixou de encaixar como uma luva para o papel. São novos tempos, de fato, e não caberia mais apenas sustentar uma personagem em querer matar dálmatas para usar sua pele como roupagem... Havia necessidade de escrevê-la de forma bem mais complexa... mesmo que a mania da Disney em transformar vilãs clássicas em vítimas injustiçadas não seja necessariamente a melhor resposta, como no fraco e pop “Malévola” (2014), e sim se fazia necessária uma terceira via.

A vilã terá de enfrentar uma inimiga à altura e que pode ter ligações com seu passado obscuro. Uma verdadeira tragédia shakesperiana, de rejeição, negação e cobiça, quase uma Hamlet feminina. E sua antagonista é interpretada na vida real por outra Emma... Thompson! Uma atriz e roteirista britânica e oscarizada, especializada em dramas de época, ao mesmo tempo que bastante associada a uma cartilha de atuação e força cênica de um cinema bastante inglês, algo que foi aproveitado à excelência neste exemplar.

Existe toda uma cromática na fotografia e ritmo na montagem que são bastante diegéticas com a linguagem escolhida. Músicas como de Blondie, Queen, The Clash, The Doors, Supertramp e até recentes como de Florence + The Machine não estão ali apenas para soar descolado, e sim para criar uma atmosfera que transborda no corte e edição, com muita agilidade. Existem verdadeiros quadros nos planos a partir da metade do filme que criam montagem feito colagem, sobrepondo imagens como patchwork estilístico – as roupas do filme vão para além do figurino e passam a ser a própria costura das imagens. Um acerto conceitual tanto da fotografia de Nicolas Karakatsanis (de “Prazeres Mortais”, 2014), quanto da montagem da ótima Tatiana S. Riegel (editora habitual do diretor Gillespie), muito bem azeitados com a proposta temática da história, transcendendo a mera versão em carne e osso de mais uma clássica animação.

Eis que o crítico a vos escrever aqui não é muito afeito a esta onda dos live actions que andam adaptando as animações da Disney para o cinema de ‘carne e osso’... Mas lembremos que “101 Dálmatas” já era tecnicamente o primeiro live action há muito mais tempo do que qualquer uma destas modinhas atuais. E fez isso sem nenhum dos maneirismos e cacoetes que viriam a marcar esta geração, transpondo meramente cenas do desenho de forma literal para o saudosismo vazio dos fãs que não ganham nada novo. Raras foram as exceções de obras que verteram algo original para a telona, e geralmente devido a algum acréscimo estético de proposta autoral de seus autores.

Não à toa, ao menos aos olhos deste crítico, a última adaptação que foi eficientemente certeira teria sido justamente “Aladdin” (2019), dirigida por outro britânico, Guy Ritchie, e não por seu típico humor cultural, e sim pela proposta artística que ele pegou emprestado de uma dívida histórica colonizatória por parte da Grã-Bretanha, quando entrou na Índia de forma exploratória. Foi a estética da famosa Bollywood (a Hollywood de Bombaim (Mumbai), especialista em musicais floridos e hiperbólicos que emprestou cenografia, figurinos e até coreografias para ajudar no sucesso do clássico herói revelado na aventura de “As Mil e Uma Noites”.

E agora foi outro tipo de tradição britânica que deu vida à história de origem da famosa vilã Disney. É graças às referências visuais e contextuais de movimentos sólidos como o ‘swinging sixties’, uma efervescência cultural do modernismo de costumes a partir da cidade de Londres, bem como traz influências musicais e visuais do brit rock, do punk e até de alguns dos maiores estilistas da história que nasceram na velha Europa.

É o lado estilista que dita a trama desta prequela (ou ‘prequel’, filme que vem antes do original). A personagem Cruella já gostava de desenhar as próprias roupas que fazia desde criança, pois se destacava com o famoso cabelo preto e branco, e combina isso a uma atitude rebelde e subversiva a destoar de seus coleguinhas em qualquer idade. Depois de um trauma (que não será abordado para evitar spoiler desnecessário), ela vai crescer para trabalhar na empresa de sua maior desafeto, de modo a disputar com sua rival bem debaixo de seu nariz, com um novo alter ego. De dia, Cruella usa uma peruca ruiva parecendo mais com sua intérprete Emma Stone, e de noite ela assume a cabeleira característica que vai fazendo ela ser tão temida... Até descobrir que seus segredos do passado serão desenterrados quando menos esperar.

Vale voltar alguns passos para dizer que a atriz oscarizada por “La La Land” (2016), numa estatueta que muita gente julgou precoce, não se deixou intimidar pelo papel e conseguiu recuperar a malícia de filmes como “Superbad” e “A Mentira”, de modo que sua encarnação da demônia deu camadas bem aproveitadas ao quadro geral. Podemos desenvolver empatia e ao mesmo tempo torcer por suas pequenas maldades (ainda não muito grandes), porém ao menos mais complexas do que a faceta vitimista e contrariada de sua colega de vilania “Malévola” (2014).

Não é uma corrente que a Disney deveria seguir tão à risca, mesmo em tempos do politicamente correto, de inverter todas as vilãs da Disney e empoderá-las como injustiçadas... Poderia até ser interessante, caso não fosse usado como moeda de produto para todas as personagens criadas até hoje. Fica parecendo que nenhuma delas era tão má assim, apenas mal compreendidas, quando pode funcionar com algumas, porém não com todas – e nem deveria, senão esvaziaria a graça do dispositivo de inversão.

“Cruella” pode surpreender negativamente também, pois além de certos graus infanto-juvenis atenuando algumas motivações, só pra adequar ao público mais amplo não só do cinema como do streaming, há também algumas modificações constitutivas que podem ser contraditórias. Vide o fato de agora a personagem gostar de cachorros! Sim! Pode chocar algumas pessoas, mas, como disse antes, mesmo não abordando mais detalhes sobre o trauma de infância que é revelado neste filme, podemos sim adiantar que esse trauma envolve dálmatas – numa instigante inversão do lugar outrora apenas fofo destes populares ‘melhores amigos’ dos seres humanos.

Diante do presente que estamos vivendo, funciona. E dá mais matizes à personagem. Até mesmo os capangas da vida adulta são mostrados aqui desde a infância e como foi criada uma lealdade bastante crível. Toda essa mitologia agrega bastante, mesmo que possa não agradar a gregos e troianos.

Mas é a expressão artística e o estofo reverencial que faz o filme alçar outros patamares. Desde a trilha sonora toda de sensações e reminiscências históricas para as décadas de 60 e 70, como também as roupas e cenários aludem a um caleidoscópio de ícones. Podemos ver Yves Saint Laurent e até David Bowie (não só nas músicas muito bem escolhidas, mas até personagens inspirados na influência que essas figuras históricas possuem pra esta época).

Lembremos que mesmo os movimentos mais anarquistas egressos de Londres, como o punk rock, também tinha seu pezinho na moda e no marketing. Sim! Quem não conhece o lado marketeiro do punk, criado pelo publicitário Malcolm McLaren (fundador dos Sex Pistols a partir de um anúncio de jornal) e até o lado propagandista dos Ramones (Joe Ramone era um gênio em entender o mercado), vai ver neste filme como o design destas revoluções nasceu em ateliês e pela famosa imprensa sensacionalista britânica – todos muito bem utilizados no roteiro e na montagem.

Sem falar que não pode ser esquecida uma grande diferença entre “Viúva Negra” e “Cruella”, pois enquanto o primeiro filme foi dirigido por uma cineasta mulher, mas creditado a 3 homens no roteiro e argumento original, o segundo longa-metragem aqui referido pode ter sido dirigido por um homem, mas foi roteirizado por 3 mulheres num grupo de 5 (também, aqui creditados o roteiro e o argumento original de quem criou a personagem). E isso pode até não ser matemática de sucesso, mas demonstra que não adianta apenas ter representatividade ou apenas uma profissional servindo como tokien. É necessário que a equipe contenha muitas representações plurais e olhares opositivos para gerar tensionamentos suficientes a complexificar a entrega.

O maior trunfo do longa-metragem é soar fresco perante todas as outras obras da Disney. Há ali um empreendimento puramente de cinema, numa vantagem imensa metalingüística, como já dito, com a trilha e o plot da competição entre estilistas de roupas na efervescência britânica real de um período histórico que respira tendências muito bem aproveitadas. É bonito de se assistir e divertido de se engajar, até com estofo para seqüências, quem diria... Quem quiser saber mais das referências cata-piolho do filme, confira o podcast Cinema em Série com Paulo Debom como convidado especial, professor de História da Arte e da Moda, que dá vário detalhes a mais. Clique aqui.

Os assinantes do Disney+ vão poder assistir Viúva Negra sem valor adicional a partir do dia 25 de Agosto. Até lá, os assinantes que quiserem assistir ao filme terão que pagar R$69,90 para contratar o acesso antecipado por meio do Premier Access na plataforma. E “Cruella” já está disponível para todos os assinantes sem custo adicional.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.