Entrevista com o rabino Michel Schlesinger, por Ana Beatriz Prudente

Líder religioso do judaísmo atua em São Paulo e promove forte ativismo na defesa das minorias e de populações mais vulneráveis que, em muitos casos, é realizado em projetos ecumênicos.

Escrito en OPINIÃO el

Vivemos tempos sombrios, nos quais os Direitos Humanos têm sido testados. Em meio a tudo isso, fala-se muito do papel das religiões e dos seus sacerdotes para o fortalecimento do respeito à diversidade e para a construção de uma cultura de paz.

Sem dúvida, em São Paulo, o nome de um sacerdote se destaca na defesa das minorias e dos mais carentes: Michel Schlesinger, um rabino.

Essa luta pela diversidade feita por rabinos, rabinas e lideranças da comunidade judaica tem sido um fenômeno mundial. Tanto é que a AJC (American Jewish Committee), respeitada entidade judaica dos EUA, apontou que a maioria dessa comunidade no país votaria em Biden, justamente por serem simpáticos a pautas identitárias e à defesa de direitos fundamentais.

Pensando no protagonismo do Rabino Schlesinger e de todo esse movimento global judaico em defesa dos Direitos Humanos, eu não poderia deixar de entrevistá-lo para a Revista Fórum.

Ana Beatriz Prudente – Rabino, fale sobre o valor da solidariedade no Judaísmo.

Michel Schlesinger – O Judaísmo é uma religião que já vai fazer seis mil anos de existência, portanto muito antiga. E a solidariedade foi um tema, um princípio muito central desde o começo. Há a solidariedade em relação aos próprios judeus, uma solidariedade interna. Há também uma solidariedade em relação a todos. Em muitas passagens bíblicas, diz que a gente precisa ser solidário uns com os outros, que a gente precisa cuidar do órfão, que a gente precisa cuidar da viúva, que a gente precisa cuidar do estrangeiro e tudo isso inspirou o judaísmo a ser uma religião que dá muita relevância ao tema da solidariedade.

ABP – Isso é muito importante. Qual mensagem o senhor pode deixar para as pessoas que lutam por igualdade de direitos, pessoas que ainda se sentem marginalizadas de alguma maneira e pessoas que buscam a inclusão?

MS – Eu digo o seguinte: “Enquanto a travessia do Mar Vermelho não for concluída por todos, a travessia não terá acabado”, citando um símbolo bíblico, uma metáfora bíblica. É uma travessia coletiva. O fato de ainda haver escravos no século XXI, ainda existir pessoas que não têm os mesmos direitos que outras pessoas por serem negras, por serem homossexuais, por serem mulheres e por serem descriminados na sociedade por qualquer motivo faz com que a sociedade inteira esteja ainda na passagem da escravidão para a liberdade. Essa passagem não é individual, é uma passagem coletiva. É uma passagem que, enquanto o último individuo não a fizer, ninguém a terá feito. A passagem ainda não aconteceu. Então, para usar uma metáfora bíblica eu diria que as águas do Mar Vermelho estão abertas. Elas ainda não se fecharam. Elas só vão se fechar quando a última pessoa passar. E, aqueles que passaram primeiro, aqueles que estão mais livres na nossa sociedade, têm a obrigação de olhar para trás e ajudar aqueles que ainda não fizeram essa passagem, que não concluíram essa passagem. Devemos esticar o braço e trazer solidariedade e ajuda. Você se doa. Como o meu amigo frei Davi, que está fazendo um trabalho extraordinário na cidade de São Paulo, praticando a solidariedade dele. É só através da solidariedade que a gente vai fazer com que a sociedade vá para um outro patamar, para sermos livres de verdade.

ABP – Como o senhor encara especificamente a questão da diversidade étnica? Eu acompanho muito a comunidade negra judaica de Atlanta e vejo a luta deles por mais espaço. Todas as religiões estão em constante construção, até mesmo as mais tradicionais. Na visão do senhor, qual a importância da diversidade étnica e da representatividade?

MS – A diversidade faz parte do ponto de vista teológico, do ponto de vista religioso e do plano de Deus. Deus poderia ter feito todo mundo igual e decidiu fazer todo mundo diferente. Não existe dois seres humanos iguais no mundo, até mesmo gêmeos que nasceram no mesmo momento e da mesma barriga são diferentes. Cada um tem a sua criatividade, cada um tem a sua inteligência, sua sensibilidade, então Deus decidiu fazer a humanidade diversa. Admirar a diversidade é admirar a própria criação de Deus. E Deus não quer que sejamos todos iguais, Deus quer que sejamos todos diferentes. É na diferença que temos a oportunidade de crescer, de aprender como indivíduos e como sociedade. As pessoas, às vezes, confundem a ideia de unidade com a ideia de uniformidade. A unidade é algo bom, algo positivo. É a união das pessoas em torno do mesmo objetivo. É a cooperação. A cooperação exige unidade. A gente precisa concordar em relação a algumas coisas para podermos trabalhar juntos. Mas a unidade não pode ser confundida com a uniformidade.

Uniformidade seria todo mundo igual e agindo igual e isso representaria um empobrecimento muito grande da sociedade. Então, nós devemos sim trabalhar na direção da unidade, mas sem desejar a uniformidade porque ela mata o que de mais bonito há na sociedade: sua diversidade.

ABP – Rabino, quero fazer um último pedido nesta entrevista. Dê exemplos para os leitores de alguns projetos nos quais o senhor atua diretamente que fomentam a diversidade, a promoção da igualdade e que ajudam aos mais necessitados.

MS – São muitos projetos, mas irei citar alguns... Existe o projeto na região de Santo Amaro, que se chama Lar Das Crianças, e que a gente ajuda 440 crianças e jovens carentes fazendo com eles o contraturno escolar, dando alimentação, dando transporte, dando atividades de reforço escolar, aula de violão, aula de judô, enfim... É um projeto social muito bonito que vem da comunidade judaica. Vem da congregação Israelita Paulista para a sociedade maior. Então, esse é o exemplo mais relevante. Depois, eu estava te contando do almoço que tive hoje com o frei Davi, porque nós estamos, justamente, colaborando com o projeto de alimentação de pessoas que estão em situação de rua e pessoas que vivem em comunidades carentes, que vão produzir em suas próprias cozinhas e fazer sua comida para a própria comunidade e transformar isso, inclusive, em um projeto de empregabilidade para a própria comunidade. Esse é um projeto de várias religiões colaborando entre si, os católicos, os judeus e outros.

Eu vou sugerir que entrem no site do Lar das Crianças da Comunidade Israelita Paulista e lá terá bastante informação atualizada sobre o projeto. O site é www.lardascriancas.org.br.

ABP – Rabino Michel Schlesinger, obrigada pela entrevista para a Revista Fórum.