Mil dias de horror – Por Chico Alencar

Bolsonaro é como o escorpião. É da sua natureza envenenar e destruir. Criou problemas até para se vacinar na viagem aos Estados Unidos, onde foi representar o Brasil na assembleia geral da ONU

Foto: O Jornal Económico (Reprodução)
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Ficou claro que, se tivesse obtido apoio para um golpe de estado no dia 7 de setembro, Jair Bolsonaro teria rasgado a Constituição, fechado o Supremo Tribunal Federal (STF) e investido contra a CPI da Covid. Não reuniu forças para tal e foi obrigado a recuar.
No dia seguinte, lambendo as feridas da derrota, mandou um avião para buscar Michel Temer em São Paulo e deu-lhe a missão de intermediar um armistício com o ministro Alexandre Moraes, do STF.
Na véspera, Bolsonaro tinha ameaçado e ofendido Moraes com palavras de baixo calão. Uma vez em Brasília, o próprio Temer rascunhou um texto, depois firmado pelo presidente, no qual este se retratava de baixarias proferidas na véspera.
Alguns incautos consideraram que o episódio demonstrava uma mudança de comportamento do capitão. Ledo engano.
Tal como o escorpião da fábula, Bolsonaro não deixou de ser Bolsonaro. Como se sabe, depois de pedir ao sapo para que o ajudasse a passar para o outro lado de um rio, em meio à travessia o escorpião o picou. Resultado, morreram os dois: o sapo pelo veneno e o escorpião, afogado, pois não sabia nadar.
Ao lembrar que, com a picada, ambos morreriam, o sapo ouviu a seguinte justificativa: “Sou um escorpião. Minha natureza é esta. Prometi que não te morderia, mas não consegui cumprir a palavra. Mesmo que nós dois percamos a vida.”
Bolsonaro é como o escorpião. É da sua natureza envenenar e destruir. Criou problemas até para se vacinar na viagem aos Estados Unidos, onde foi representar o Brasil na assembleia geral da ONU.
Ridicularizado no mundo inteiro pela quantidade de mentiras e de sandices que proferiu, foi além e protagonizou uma série de cenas ridículas. Foi obrigado até a comer em pé, na calçada de uma rua de Nova York, depois de impedido de entrar num restaurante por não estar vacinado.
No mundo inteiro o presidente foi comparado com os nazistas em centenas de charges, para vergonha dos brasileiros.
A essa altura, aparentemente Bolsonaro já não se preocupa tanto em reverter sua desvantagem nas pesquisas eleitorais, retratada a cada semana. Só fala para o seu núcleo duro: militares, policiais, milicianos e o segmento fascista que o acompanha.
Aparentemente, virou a chave. Sua preocupação já não é tanto mudar o quadro para tentar ganhar a eleição. O que quer é criar condições para virar a mesa.
Por isso, todo cuidado é pouco. Não é provável que ele caminhe para aceitar perder uma eleição na qual sua derrota torna-se a cada dia mais provável.
Enquanto isso, esta semana ele fez uma ofensiva publicitária, centrada nos mil dias de seu governo. Afinal, o ser humano se move por necessidades e símbolos. E mil dias é sempre um marco, para o bem e para o mal.
No entanto, por mais que ele se esmere na propaganda, seu governo cada vez mais se firma como o pior da História da República. São mil dias de um governo que é uma tragédia.
Mil dias e quase 600 mil mortes por Covid - parte significativa delas, evitável.
Mil dias e 19 milhões de brasileiros jogados na fome.
Mil dias e desemprego para 15 milhões de brasileiros, fora a parcela da população subempregada.
Mil dias e uma inflação recorde de 9% nos gêneros básicos, no último ano. E sem perspectivas de reversão
Mil dias e os salários congelados, com 0% de aumento.
Mil dias e nem um centímetro de terra indígena ou quilombola a mais demarcado.
Mil dias e três ministros ineptos e obscurantistas na Educação.
Mil dias e quatro ministros incompetentes e "desviantes" na Saúde, com seguidas denúncias de corrupção.
Mil dias e um ministro da Economia que é um "Posto Ipiranga" desabastecido.
Mil dias e a crescente devastação de hectares em todos os nossos biomas.
Mil dias e milhares de armas de fogo nas mãos de quem não pode nem deve usá-las, com afrouxamento do controle sobre elas e as munições.
Mil dias e um presidente desatinado, à procura do nono partido político da sua vida pública, formada no fisiologismo e nos esquemas de benefícios próprios (que seus filhos, os Zeros herdaram).
Mil dias e crises semanais com os demais poderes.
Mil dias e ataques diários aos direitos do povo, ao bom senso, à ética pública, à democracia e aos valores humanos.
Mil dias e a cidadania fuzilada a cada dia.
Por isso tudo, um recado se impõe: nos mil e sete dias de seu governo, vamos todos às ruas no próximo sábado, dia 2 de outubro, em todo o país.
Fora Bolsonaro!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.