Militares e pastores nunca mais: uma tragédia que serviu de lição – Por Raphael Fagundes

A fé cega é o ópio do povo. A ideia que prevaleceu no Regime Militar foi a mesma. O que vimos foi uma investida agressiva dos corruptos agindo por trás de um governo que assegurou, apenas verbalmente, ser honesto

Foto: Presidência da República
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Bolsonaro é um político clássico. Seu objetivo é propina e se manter no poder. Para levar o seu reino de corrupção a um segundo mandato, sustenta a narrativa que se tornou um lugar comum da direita: fraude no processo democrático.

Eu já disse em outra oportunidade que fraudar as eleições é menos interessante que aplicar um golpe. É uma constatação que pode ser tirada ao observarmos a História do Brasil. As elites civis e os militares se mobilizaram em derrubar o processo democrático quando o resultado das urnas não condizia com os seus interesses.

Mas se um golpe acontecer em 2022, e a mobilização que Bolsonaro está promovendo para que isso aconteça, será a primeira vez que um golpe será dado no Brasil para se manter a corrupção.

Todos os golpes anteriores foram dados por meio de uma narrativa que acusava o governo de corrupção. O célebre historiador José Murilo de Carvalho destaca que “os republicanos da propaganda acusavam o sistema imperial de corrupto e despótico. Os revolucionários de 1930 acusavam a Primeira República e seus políticos de carcomidos. Getúlio Vargas foi derrubado em 1954 sob a acusação de ter criado um mar de lama no Catete. O Golpe de 1964 foi dado em nome da luta contra a subversão e a corrupção. A Ditadura Militar chegou ao fim sob acusações de corrupção, despotismo, desrespeito pela coisa pública. Após a redemocratização, Fernando Collor foi eleito em 1989 com a promessa de caça aos marajás e foi expulso do poder por fazer o que condenou”.

Podemos complementar as palavras de José Murilo com o golpe de 2016 que embora as pedaladas fiscais não fossem consideradas corrupção em si, o desgaste do governo petista se deu pela investigação da Lava Jato, manipulada por interesses obscuros que envolveu o Legislativo, o Judiciário e a grande imprensa, destruiu a imagem de Lula levando este à prisão política para que, assim, não concorresse nas eleições. O golpe se deu mais pela prisão de Lula que pelo impeachment de Dilma Rousseff.

Vivemos na iminência de um golpe peculiar. Um golpe em nome da corrupção. Uma volta de 180°. Eu tenho as minhas dúvidas se o golpe de 2016 já não tinha esse objetivo.

A bandeira contra a corrupção, explicitamente de esquerda, foi surrupiada pela direita. Foram os governos petistas que mais combateram a corrupção que se infiltrou no país com maior intensidade a partir da Ditadura Militar. A ideia de que a corrupção aumentou é enganosa, pois o que aconteceu é que os casos vieram à tona graças às investigações incentivadas pelos governos petistas.

Foi no período militar que as empreiteiras corruptas cresceram. Aliás, a ideia de retornar a um Brasil de 40, 50 anos atrás é justamente para voltar a impunidade. A lógica para estancar a sangria foi a seguinte: colocando um presidente que convenceu grande parte da população de que não é corrupto não seria mais necessário combater a corrupção. Dito e feito. “Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”, disse o presidente da República.

A fé cega é o ópio do povo. A ideia que prevaleceu no Regime Militar foi a mesma. O que vimos foi uma investida agressiva dos corruptos agindo por trás de um governo que assegurou, apenas verbalmente (já que não havia nenhuma proposta escrita de combate à corrupção), ser honesto.

Pelo menos essa experiência catastrófica serviu para alguma coisa. A ascensão da direita trouxe para a corrupção personagens que o povo depositava alta confiança, como os militares e os pastores de igrejas evangélicas. Podemos dizer agora que não são diferentes dos políticos tradicionais (ou até pior). São também nefastos e agem em prol de seus próprios interesses pessoais e institucionais.

Antes de todo este escândalo de corrupção, as Forças Armadas eram as instituições mais confiáveis para o povo brasileiro. Uma consequência por não ter havido punições contra os militares torturadores, como houve em outros países latino-americanos.

Por outro lado, muitos pastores se elegeram em meio ao bolsonarismo aproveitando o desamparo popular, da ausência do Estado nas comunidades, o que faz com que as seitas evangélicas adquiram grande credibilidade.

Mas tudo indica que esse é um castelo de cartas que está prestes a desabar. A corrupção dos militares no caso das vacinas, dos pastores no Rio de Janeiro, também em relação à Saúde, (pastor Everaldo) pode derrubar a retórica baseada nas instituições tradicionalmente confiáveis. O que poderá ajudar o povo a refletir mais e melhor sobre suas decisões políticas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.